quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Acidentes na Estrada De Ferro Teresópolis

Assim como qualquer outro meio de transporte, nas ferrovias também ocorrem acidentes, e vez ou outra os danos podem ir muito além das avarias no material rodante envolvido.

No breve período de atividades em todo o trecho da Estrada De Ferro Teresópolis, alguns acidentes foram destaques nos jornais da época enquanto outros relatos vem sendo contados por testemunhas e sobreviventes para que não se percam.

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Em 23 de dezembro de 1928 o jornal "O Therezopolis" noticiava tardiamente um terrível acidente ferroviário ocorrido duas semanas antes, na sexta feira dia 14 de dezembro. 

A tragédia envolvia dois irmãos que trabalhavam, Antônio Virgínio e Inocêncio Virgínio, ambos operários da Estrada De Ferro Teresópolis.


Na ocasião os dois haviam trocado de lugar, Antônio conduzia a locomotiva Nº 1 trazendo dois carros de passageiros da estação do Alto para a estação da Várzea, durante essa operação um dois eixos da locomotiva se partiu fazendo com que a composição saísse dos trilhos em alta velocidade até colidir com uma encosta, esmagando o maquinista Inocêncio Virgínio que teve fraturas nas pernas e graves queimaduras em decorrência da água fervente que vazava da caldeira.


Como não existem informações detalhadas sobre esse desastre pode-se deduzir que enquanto Antônio conduzia a máquina, possivelmente Inocêncio estava auxiliando a manobra da composição a frente da locomotiva, desta forma acabou sendo imprensado contra o barranco.

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Em 22 de março de 1930 o jornal "O Malho" publicou uma matéria com detalhes sobre um sério acidente de trem ocorrido alguns dias antes na metade da serra de Teresópolis.


O texto a seguir e uma transcrição da matéria publicada pelo jornal O Malho em 1930, preservando a grafia da época. Apesar de reproduzir o texto tal como a reportagem original, serão acrescentados alguns parenteses para complementar o texto com informações adicionais relevantes ou com o significado da palavra.

"...Confrange ainda os sentimentos bons da cidade a impressão dolorosa que lhe causou o emocionante desastre na serra de Therezopolis, no domingo ante-passado, e do qual O Malho, já publicou algumas notas graphicas na sua última edição..."

"...Foi uma catástrofe de proporções impressionantes que cobriu de crêpes várias famílias, inclusive o Fluminense F. C. que nella perdeu um de seus players de maior valor. Sahindo vários outros feridos..."


"...Conhecem já os nossos leitores o modo heroico por que morreu o full-back Jorge Py (Jorge Tavares Py), quando, logo depois de salvo, atirou-se abnegadamente aos braços da morte; Procurando socorrer crianças e senhoras. O seu sacrifício, embora inútil, acrescentou á história gloriosa do Fluminense F. C. um dos seus capítulos mais bellos e dignificantes..."

A  Horrivel Catastrophe (A horrível catástrofe).

"...Às 17 horas de domingo ante-passado (9 de março de 1930) deixou Therezopolis a composição A-4 composta de dois carros (vagões de passageiros) de números 30 e 31 puxados pela locomotiva de cremalheira Nº 22 dirigida (conduzida) pelo machinista Manoel Virgílio e tendo como foguista Mario dos Santos..." 


"...Os dois carros vinham repletos de passageiros, inclusive a delegação do Fluminense, que fora a cidade serrana a convite de um combinado local para uma partida amistosa a exemplo das que o Fluminense tem realizado ultimamente em São Paulo e Santos..."

"...E sem que nada fizesse prever a catastrophe que cortaria tão tragicamente a vida de muitos dos que viajavam nos dois carros, a composição chegou a estação de Soberbo..."


"...Feita a parada necessária, o trem deixou aquella estação e continuou na sua marcha descente. Choviscava e o ambiente exterior, a despeito da beleza insdescreptivel no panorama contido nos sem fins do horizonte que a vista alcançava era de desolação e contrastava com a alegria dos que viajavam nos dois carros, os jovens sportistas do Fluminense, alegria que partido de mocidades radiosas se comunicavam aos demais companheiros de viagem que della participavam..."

"...E assim, num ambiente interno de onde a tristeza fora banida a composição chegou a estação de Alto. Ali outra parada de dois minutos. O característico movimento das gares (oficinas) do interior, olhos curiosos de nativos habitantes da localidade a perquirirem os que vinham do alto da serra; Dentro dos carros os "hurrhas" dos footballers fluminenses e trechos de canções carnavalescas..."

"...Súbito, o estridalar de um apito, um rápido silvo da locomotiva e a composição se põe em movimento. Decorreram minutos e a viagem faz-se normalmente. Todos os responsáveis pelas vidas dos que viajavam nos dois carros estão atentos..."

"...O machinista Manoel Virgílio regula o funcionamento da machina e a válvula dos freios. Sobre os carros os guarda freios secundam a ação do machinista, apertando ou afrontando os breaks..."

"...Quando menos se esperava, e por motivo que está ainda sendo apurado em inquérito administrativo, a locomotiva perdeu o controle da manobra e, já agora sem poder conter o peso dos dois carros lotados, despenca-se serra abaixo, desgovernada, numa velocidade alucinadora..."


"...Os passageiros se entreolham, a princípio interrogativamente. Fugiu a alegria de entre elles, substituída por uma aflição crescente, por um desespero silencioso..."


Nesse desastre oito pessoas morreram, incluindo o futebolista Jorge Tavares Py, que num ato heroico tentou acionar os freios do carro (vagão de passageiro) onde estava, e após se recuperar do impacto se dedicou a ajudar as outras vítimas. Jorge Py morreu imprensado num barranco pelos destroços de um dos vagões.


"Reconstituamos agora, nos seus detalhes mais frisantes".

"...A composição descia a serra a princípio com lentidão, sustendo (aparando) os dois carros, a locomotiva 22 que parecia funcionar rigorosamente..."


"A locomotiva Nº 22 completamente arruinada".


"O último carro da composição atirado fora das linhas pelo choque".



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Dez anos mais tarde, em março de 1940 a colisão entre duas composições tirou a vida de dezesseis pessoas.

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Em outra ocasião, segundo o maquinista Pedro de Jesus, em 1945 aconteceu um acidente na altura do viaduto do garrafão, durante o translado de uma máquina plana de 38 toneladas que exigia tração de três cremalheiras para transpor a serra. 


Duas cremalheiras traziam a parte mais pesada enquanto a terceira trazia a parte de trás da máquina plana, mas para atravessar o viaduto era preciso que passasse uma cremalheira por vez devido ao excesso de peso tracionado.


Após cruzar o viaduto as locomotivas seguiram para a estação de Soberbo para serem reabastecidas, mas por um erro na posição do engate a última cremalheira ficou solta e quando seu tanque estava cheio a pressão do freio foi liberada e a locomotiva ganhou velocidade enquanto descia desgovernada.


Ao perceberem o perigo, alguns operários pularam para sair do caminho mas infelizmente o maquinista Paulo Bragança acabou sendo pressionado contra uma rocha e morrendo no local. Com o impacto a locomotiva saiu dos trilhos e despencou pelo abismo de forma que seria inútil qualquer tentativa de resgate da mesma.

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No último dia de carnaval de 1952 um grande desmoronamento acabou por atingir o pátio da estação da Várzea onde havia uma composição parada. Embora quedas de barreira fossem comuns nessa época do ano na região da Serra Dos Órgãos, um sério desastre pegou os teresopolitanos de surpresa.



Tudo começou após um enorme barranco desabar sobre o pátio da estação da Várzea, atingindo também um trem que estava parado, alguns de seus carros de passageiros e vagão bagageiro acabaram descarrilados ou parcialmente soterrados. 



Até mesmo um automóvel sofreu avarias, seus dois ocupantes saíram pouco antes de uma tragédia maior acontecer.

Eis a transcrição de texto que no rodapé de um jornal destacava: "Duas senhoras escaparam de morrer no sinistro de Teresópolis".



"...Na queda do morro em Teresópolis quando 300,000m³ de terra cobriram parte da estação da Várzea e dois vagões de um trem, também um automóvel Austin foi soterrado e danificado totalmente que e o que se vê no guichê ainda sob a avalanche de terra ali desabado. Pouco antes, duas senhoras, que até hoje não apareceram, se tivessem demorado poucos minutos a mais dentro do auto, teriam morrido no sinistro...".

O guarda freios da E.F.C.B Antônio Dias Meirelles que estava presente no local foi um dos sobreviventes e teve apenas ferimentos leves. 



Graças ao Sr Antônio, hoje temos acesso a importantes registros fotográficos feitos por ele no local, e compartilhados recentemente por seu neto Ronaldo Meirelles.













O agente da estação e mais dois operários da ferrovia perderam a vida nesse acidente, e apesar de não haver um número oficial de "vítimas" ao menos seis pessoas morreram.

domingo, 27 de outubro de 2019

Estrada De Ferro Teresópolis: Da Ascensão ao Declínio (Parte 3)

Em 9 de março de 1957 a Estrada De Ferro Teresópolis teve as atividades encerradas entre Guapimirim e a região da Várzea onde a linha terminava.


Logo após a desativação desse trecho com cerca de 15,942 quilômetros o material rodante foi transferido para outros pátios onde acabaram sucateados, o pouco que sobrou foram os carros de passageiros, excelentes vagões reutilizados pela Leopoldina.


Os carros de passageiros mais luxuosos (vagões de 1ª classe) da E.F. Teresópolis foram transferidos para linhas operadas pela Leopoldina Railway em trechos mais valorizados, os demais foram realocados para operar em outros ramais.

A Leopoldina permaneceu operando o trecho de "subúrbio" entre a estação Barão De Mauá e a estação de Guapimirim (antiga Raiz da Serra).


Com a desativação do ramal na região da Serra, muitas obras da engenharia ferroviária acabaram abandonadas ou demolidas como por exemplo a estação da Várzea que após a desativação permaneceu abandonada e foi demolida entre 1958 e 1959.


A estação Alto Teresópolis, localizada bem no centro da cidade resistiu por mais alguns anos com sua forma original, mas como tantas outras foi convertida em terminal rodoviário para ônibus.


Outras construções que poderiam tiveram desfechos mais trágicos, e o caso da antiga estação Fazendinha usada para cargas; Foi demolida e nem mesmo a caixa d'água onde as locomotivas eram abastecidas foi poupada.

Só e possível reconhecer que nesse terreno um dia existiu uma estação pelas vigas de ferro que sustentavam a cobertura sobre a pequena plataforma.


Como e de praxe em ferrovias desativadas, os trilhos e dormentes são retirados, e no caso da Estrada De Ferro Teresópolis o trecho "serra a cima" foi totalmente erradicado, inclusive o terceiro trilho do sistema de cremalheira.


As pontes e viadutos geralmente dependiam de grandes estruturas de aço onde a via férrea era fixada. Com a retirada dos dormentes e dos trilhos, não era mais possível utilizar essas construções para atravessar de um ponto ao outro.


Outro que também teve os trilhos retirados foi o viaduto sobre a cachoeira do Garrafão, que numa fotografia tirada após a desativação do ramal e possível ver que apenas a estrutura do viaduto permaneceu montada.


E finalmente o viaduto mais polêmico da Estrada De Ferro Teresópolis, a ponte em arco construída sob administração da Estrada De Ferro Central Do Brasil para substituir a antiga ponte apoiada sobre três grandes pilares de pedra.


E interessante destacar que a construção dessa ponte e controversa, tudo porque já existia uma ponte no local que atendia perfeitamente as necessidades da ferrovia, mas com a E.F.C.B assumindo o ramal, seria bom para a imagem da estrada de ferro inaugurar uma estrutura que representasse a engenharia moderna.


Infelizmente essa ostentação não impediu o declínio do transporte ferroviário na região e essa foi apenas mais ponte que teve seus trilhos retirados do trecho serra acima.

Dois motivos levaram a prefeitura de Teresópolis a fechar o túnel na saída do bairro Cachoeira Guarani na atual Rua Beira Linha, o primeiro foi para manter a segurança para exploradores curiosos, moradores locais e para impedir que usuários de drogas ou desabrigados ocupassem o lugar.


O segundo motivo e que do outro lado do túnel existia uma fábrica de tecidos, a Sudamtex, e para garantir que pessoas não autorizadas tivessem acesso aos fundos da fábrica, era melhor fechar o túnel pelo menos de um lado.


A Sudamtex foi uma empresa têxtil aberta em Teresópolis na localidade da Várzea, inaugurada em 1965, oito anos após a desativação de parte da E.F. Teresópolis.

A própria natureza se encarregou de dificultar o acesso pelo outro lado, após anos sem ser utilizado nem passar por manutenções, alguns desmoronamentos fecharam parcialmente a outra entrada.


O túnel possuía 250 metros de comprimento.


Em 2013 tiveram início as obras de contenção de barreira na Rua Beira Linha próximo a antiga "boca do túnel", além do objetivo de evitar perigo eminente de desmoronamentos, a prefeitura pôs em prática algumas melhorias para a comunidade.


Na entrada concretada do túnel no lado do bairro Cascata Guarani a prefeitura realizou uma ação de reurbanização e para manter a segurança de todos, o antigo túnel permaneceu concretado mas recebeu uma nova pintura em homenagem a ferrovia que um dia passou por ali.


Na altura da estação de Barreira restaram alguns vestígios da ferrovia, e o que mais se destaca e a estrutura de ferro de uma antiga ponte ferroviária.


Após a retirada dos trilhos, a ponte foi adaptada para atender as necessidades dos moradores locais e para facilitar o acesso de visitantes.


Antes da chegada da ferrovia na região, existiu ali a Fazenda da Barreira, que servia de alojamento para tropeiros uma das construções que fazia parte dessa fazenda e a antiga capela de Nossa Senhora Da Conceição Do Soberbo que permanece preservada.


Na região próxima a raiz da serra, ficou cada vez mais difícil encontrar sinais da ferrovia que um dia passou por ali, vez ou outra e possível encontrar próximo a algum riacho colunas de pedra, construídas para sustentar pequenas pontes, hoje ausentes.


Com a extinção do trecho da Estrada De Ferro Teresópolis na serra, o trecho restante permaneceu em atividade sob a administração da Estrada De Ferro Leopoldina, que operava trens de subúrbio saindo da estação Barão De Mauá.


Enquanto a Estrada De Ferro Central Do Brasil apostava na eletrificação das linhas de subúrbio, tanto o Ramal de Guapimirim (ex: E.F. Teresópolis) quanto o Ramal de Inhomirim (ex: E.F. Príncipe do Grão Pará), operados pela Leopoldina, permaneciam com sistema obsoleto, principalmente no que diz respeito ao material rodante.

Com o fim da "era a vapor" nas ferrovias do Rio De Janeiro em 1973, coube a Leopoldina utilizar locomotivas a diesel para tracionar seus clássicos vagões de madeira.


Mas em 1975 o ramal de Guapimirim foi incorporado a Rede Ferroviária Federal, que instituiu a substituição dos antigos carros de madeira oriundos da Leopoldina por modelos capazes de comportar mais passageiros.


As novas composições eram formadas por carros de passageiros em aço de carbono, tracionados por locomotivas a diesel padronizadas com a pintura vermelha e amarela da RFFSA.


Embora muito tenha sido prometido para otimizar o transporte em massa na zona norte do Rio, para os "sub-ramais" de Vila Inhomirim e Guapimirim restaram apenas os "carros-reboque" de TUE's (Trem Unidade Elétrico) já fora de uso em outras linhas.


Em 1994 o governo federal deu inicio a privatização de empresas estatais inclusive a RFFSA, e a gestão do transporte de trens metropolitanos no Rio De Janeiro ficou a cargo da Companhia Fluminense de Trens Urbanos, a Flumitrens, uma empresa estadual criada para operar os trens nas linhas de subúrbio.


Em 1998 a Flumitrens foi absorvida pela Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, a Central. 

A partir de 1998 os trens que antes partiam da estação Barão De Mauá passaram a sair da estação Central Do Brasil, além disso uma remodelação das linhas mudou consideravelmente o tráfego de trens no que restou do antigo ramal da E.F Teresópolis.


Nessa época no trecho entre a estação Central Do Brasil e a estação de Saracuruna, os trens circulavam em via de bitola larga e eletrificada, mas em Saracuruna era necessário fazer baldeação para continuar a viagem, uma linha seguia até Vila Inhomirim e a outra para Magé e depois Guapimirim, essas duas linhas permanecem em bitola métrica e sem rede eletrificada.


Durante a administração da Central Logística, houve uma melhoria razoável nas condições das locomotivas e todo material rodante utilizado no trecho.


Vagões limpos e sem marcas de vandalismo como e comum em trens de subúrbio.


Sob administração da Supervia desde 2011, o Ramal de Guapimirim (trecho da antiga Estrada De Ferro Teresópolis) permanece em atividade apesar das péssimas condições da via, das estações e do material rodante disponível atualmente. 


Os trens que trafegam neste trecho são compostos por vagões simples tracionados por uma locomotiva a diesel modelo U12.


Nem de passageiros nem metropolitano, o trem que percorre o pouco que sobrou da Estrada De Ferro Teresópolis se encaixa na categoria de "trem regional", e mesmo num ramal canibalizado, ainda fascina inúmeros entusiastas ferroviários, pois reafirma o poder que a ferrovia tem de encurtar as distâncias e unir diferentes caminhos, filosoficamente e literalmente.