quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O Acidente com o Trem Barrinha

 Quando se fala no antigo Trem Barrinha, e inevitável não lembrar do trágico acidente ocorrido na manhã do dia 18 de setembro de 1996. O Trem Barrinha transportava 90 pessoas quando foi atingido por um trem de carga que desceu a serra desgovernado e acabou colidindo com o trem de passageiros.

Duas décadas se passaram mas muitas questões permanecem sem o verdadeiro esclarecimento a respeito dos verdadeiros responsáveis pelo acidente. Afinal o acesso a informação na época era limitado, e são raros os registros oficiais contendo laudos técnicos, depoimentos dos funcionários e das vítimas. 

Essa postagem especial tem como principal objetivo trazer a público a transcrição completa das matérias reportadas nos principais jornais da época que cobriram todo o caso.


Negligência pode ter causado tragédia: Trem perde o freio a 100 km/h, bate em composição lotada e mata 16 pessoas em Japeri.

Um trem carregado de bobinas de cabos de aço bateu ontem (18/09/1996) de manhã num trem de passageiros em Japeri, causando a morte de 16 pessoas e ferimentos em pelo menos 60, no maior acidente ferroviário dos últimos 30 anos no Rio. A violenta colisão aconteceu quando o cargueiro estava a cerca de 100 km/h. O trem de duas mil toneladas e 18 vagões tinha saído de Minas Gerais. Ao chegar a Barra Do Piraí, sua locomotiva apresentou problemas e foi trocada. Na descida da Serra Das Araras, os dois maquinistas constataram que os freios não funcionavam e, apavorados, avisaram o controle de tráfego de Japeri, três minutos antes da colisão (há controvérsias). 

Enquanto isso, na mesma linha, o trem de passageiros que também vinha de Barra Do Piraí esperava num sinal a hora de entrar na estação. Aterrorizados, moradores perceberam a aproximação em alta velocidade do cargueiro e começaram a gritar para que os passageiros do trem pulassem. Com o choque, o cargueiro descarrilou e fez a outra composição tombar. Algumas pessoas, inclusive uma mulher grávida foram esmagadas pelo vagão. Uma comissão da Rede Ferroviária Federal tem sete dias para investigar o acidente e apontar suas causas. Segundo funcionários da empresa, a vistoria no trem que causou a tragédia durou só dez minutos, e não quatro dias como seria normal.


Tragédia sobre trilhos em Japeri.

Sem freio, o trem cargueiro vinha a aproximadamente cem quilômetros por hora. Logo à frente, na mesma linha, um trem de passageiros estava parado num sinal da passagem de nível. Os dois maquinistas do cargueiro, desesperados, apitavam sem parar, tentando chamar a atenção dos passageiros do outro trem para que eles pulassem. O som ensurdecedor do apito se juntava aos gritos de alerta dos moradores, enquanto a distância entre os trens ficava cada vez mais curta. Cinquenta metros antes da batida os dois maquinistas do cargueiro se abraçaram para esperar o que parecia inevitável: a morte.

Essa é a parte da tragédia que parou ontem de manhã a pequena cidade de Japeri, onde um acidente ferroviário matou 15 pessoas (número posteriormente atualizado para 16 mortos), e feriu cerca de 60. O cargueiro de prefixo 5032 procedente de Juiz De Fora MG, colidiu na traseira do trem de passageiros prefixo 3160, conhecido como "Barrinha", que saíra de Barra Do Piraí com destino a estação de Japeri. Pessoas ensanguentadas corriam pelas ruas, corpos mutilados ficaram atirados no leito da ferrovia e moradores entraram num vaivém alucinante tentando socorrer as vítimas. Entre os que se feriram gravemente estavam os dois maquinistas do cargueiro.




O desastre com os dois trens da Rede Ferroviária Federal ocorreu às 8h16m. O cargueiro de 18 vagões saiu da estação de Dias Tavares, em Juiz De Fora, com um carregamento de bobinas de cabos de aço da Siderúrgica Belgo-Mineira com destino ao Rio De Janeiro. O Barrinha levava para Japeri cerca de 90 moradores de Barra Do Piraí e cidades próximas, que fariam baldeação para o Rio naquele município. Como havia uma composição da Flumitrens parada em Japeri - de onde viria para a Central Do Brasil - o Barrinha parou no sinal da passagem de nível, a 700 metros de distância da estação, logo depois de uma curva.


Tudo indica que o cargueiro, que pesava aproximadamente duas mil toneladas, tenha perdido o freio ao descer a Serra Das Araras, a cerca de 30 quilômetros do local do acidente. às 8h12m, o cargueiro entrou em contato com o controle de tráfego de Barra Do Piraí, avisando que estava sem freio e em velocidade excessiva.

Um minuto depois, por telefone, o controlador de tráfego do posto 64, a cerca de quatro quilômetros da passagem de nível, deu o mesmo aviso ao auxiliar de controle de tráfego da estação de Japeri. Francisco José Ferreira; O funcionário do posto 64 viu quando o cargueiro passou em alta velocidade, avançando um sinal que estava vermelho. A estação de Japeri foi avisada três minutos antes da colisão.

Dois passageiros conseguiram se salvar pulando do vagão.

Alguns moradores perceberam que ia acontecer uma tragédia e começaram a gritar para que os passageiros pulassem. Dois rapazes que estavam numa das portas do trem olharam para trás, viram o cargueiro em alta velocidade e se atiraram de qualquer maneira no leito da ferrovia, conseguindo escapar ilesos, embora em estado de choque. Outros não tiveram a mesma sorte: tentaram salvar a vida pulando pelo outro lado do trem - o esquerdo - e acabaram encontrando a morte debaixo dos vagões, quando a composição descarrilou e tombou depois da colisão.


A maioria dos passageiros, no entanto, seque teve tempo de se mexer antes da tragédia. O cargueiro colheu o trem por trás, os dois embicaram para cima e a composição de passageiros tombou. Os 18 vagões do cargueiro descarrilaram e avançaram, envolvendo o outro trem, num choque que produziu um estrondo ensurdecedor.




Uma mulher grávida de sete ou oito meses foi esmagada sob um dos vagões e o feto expelido para os trilhos. Outras pessoas tiveram membros amputados, vísceras misturavam-se às pedras do leito da ferrovia. Bolsas, sapatos, pedaços de roupas e documentos espalhados no local compunham uma cena dantesca em Japeri.


Um dos primeiros a chegar ao local foi o enfermeiro Élio Rodrigues Fortin, de 38 anos. 

- Parecia o som de um trovão muito forte em dia de tempestade violenta. Os moradores correram para a passagem de nível. Eu e outras pessoas começamos a tentar socorrer os feridos. Muitas vítimas, ensanguentadas, gritando enlouquecidamente, saíam do trem e corriam pelas ruas. Em poucos minutos as ambulâncias do Hospital Municipal de Japeri começaram a chegar. Depois que ajudamos a socorrer os feridos, só nos restou recolher os corpos e as vísceras - contou o enfermeiro.

Os feridos foram levados para o Hospital Municipal de Japeri e para a Casa de Saúde Nossa Senhora da Conceição, a 200 metros do local do acidente. Dali, as vítimas em estado mais grave foram transferidas para o Hospital da Posse, em Nova Iguaçu. Três feridos morreram na ambulância, a caminho da Posse; Outra mulher grávida, Rosilda Penedo, de 29 anos (no quarto mês de gestação) morreu na Casa de Saúde Nossa Senhora da Conceição. Um homem, que ainda não foi identificado, morreu ao chegar ao Hospital da Posse. No local do desastre, dez pessoas morreram. Entre os mortos, estava o agente de trem Ilmar Figueiredo, de 44 anos, que viajava num dos vagões de passageiros.


Na lista de feridos estão os maquinistas do cargueiro, registrados na Rede Ferroviária Federal apenas como P. A de Carvalho e J. S. Silva. Os maquinistas do trem de passageiros, Daniel Rodrigues e Cláudio Guimarães, também se feriram.


O Corpo De Bombeiros foi acionado e em poucos minutos chegaram carros dos quarteis de Nova Iguaçu e Paracambi. O quartel central, no Rio, mandou logo reforço. No total, foram 50 bombeiros trabalhando no resgate das vítimas e chefiados pelo comandante do quartel de Nova Iguaçu, coronel Pascoal.


A cidade parou. De todas as ruas saía gente para ver o desastre. A multidão ocupou o leito da ferrovia, se acotovelando para ver o trabalho dos bombeiros e voluntários. Policiais do 24º BPM de Queimados tiveram de isolar com uma corda a entrada da passagem de nível, para facilitar o trânsito de quem estava empenhado no resgate das vítimas. Um helicóptero da Coordenadoria Geral de Operações Aéreas (CGoa) sobrevoou o local.


A locomotiva que saiu de Dias Tavares puxando os vagões de carga apresentou problemas e teve que ser trocada já no Rio, na estação de Barra Do Piraí. Segundo o presidente da Rede Ferroviária Federal Isaac Popoutch, todo trem que entra no Rio é vistoriado em Barra Do Piraí exatamente por ser a última estação antes da descida da Serra Das Araras. A locomotiva que causou a tragédia, de acordo com ele, também passou por uma inspeção e teve testados seus freios. Além disso, informou, foram examinados a posição das rodas e outros equipamentos.


- Tomamos todas as precauções para a descida da serra - afirmou. - Um acidente dessas proporções não é normal. Há 20 anos não se registrava um desastre assim.


Vistoria de trem em Barra Do Piraí não foi feita dentro das normas.


Uma comissão interna foi formada pela Rede Ferroviária para, em sete dias, informar as causas do acidente. Já se sabe, no entanto, que a vistoria feita em Barra Do Piraí não seguiu as normas. Segundo funcionários da Rede Ferroviária, são necessários quatro dias para uma vistoria, são necessários quatro dias para uma vistoria completa, que inclui a verificação de 71 itens. A inspeção no trem, no entanto, não levou muito mais que dez minutos.


Um aviso na estação de Barra Do Piraí, assinado pelo engenheiro Cristiano Matos, pedia a liberação rápida da composição. Apenas dois itens foram examinados: a carga e justamente os freios que acabaram falhando.


O gerente de transportes da Rede Ferroviária Federal, engenheiro Mário Sidrim, esteve no local da colisão. Ele também disse que todo cargueiro passa por vistoria ao entrar no Rio. Sidrim confirmou que a estação de Japeri foi avisada sobre o cargueiro sem freio três minutos antes do acidente, mas não soube dizer se ainda daria tempo para alertar os dois maquinistas do trem de passageiros.


- Vamos ouvir as fitas com a gravação das conversas do centro de controle para saber exatamente o que aconteceu para acontecer a colisão - disse o engenheiro.


Mário Sidrim afirmou que a locomotiva tinha condições de trafegar com segurança:


- É difícil precisar as causas de um acidente dessas proporções. Ainda mais que o cargueiro passou pela vistoria e o freio estava em perfeitas condições - garantiu ele.


Pelo telefone, o anúncio da tragédia:




O telefone tocou às 8h13m na sala de controle de tráfego da estação de Japeri. Antônio, o funcionário de Rede Ferroviária Federal de plantão no posto 64, a quatro quilômetros de distância, dava a informação que três minutos depois se transformaria na tragédia.


- O cargueiro está sem freio, está sem freio! Passou aqui a mais de cem por hora, sem respeitar o sinal. Vai bater no Barrinha, vai bater! - gritava o funcionário para o colega de Japeri, Francisco José Ferreira, de 47 anos. 


Francisco correu os olhos pelo painel de controle que informa o tráfego da ferrovia e viu a aceleração do cargueiro.


- Não dava para fazer nada. Nem para avisar os maquinistas do trem de passageiros. Foram três minutos de pavor, de angústia, sabendo o que estava para acontecer e sem poder fazer nada para evitar. De repente, o painel ficou todo iluminado; Era o choque dos trens. Eu vi o desastre pelo painel. A tragédia chegou a nós através de luzes num simples painel - repetia Francisco, emocionado e abatido, enquanto observava os bombeiros resgatando corpos.


Francisco ficou com sentimento de culpa por não ter podido avisar os colegas e os passageiros:


- Eu queria tanto poder ajudá-los. Se houvesse tempo de correr pelos trilhos, mandar todo mundo sair do trem... Mas três minutos era muito pouco para correr 700 metros. Já estou meio velho, meio cansado. Restou-me esperar que a tragédia se consumasse ou que a mão de Deus impedisse a fatalidade. Só um milagre os salvaria.



Caixa preta explicará o que houve com os freios: Tacógrafo semelhante ao dos aviões registra em fita velocidade e movimentos de freagem dos trens da Rede Ferroviária.


Somente após a análise da fita de um tacógrafo MK-5032, à direção da Rede Ferroviária Federal terá condições de concluir, com precisão, o que levou a máquina a perder o freio. A exemplo das caixas pretas usadas em aviões, o aparelho registra tudo o que acontece durante as viagens dos trens: desde a velocidade em que a composição trafega até os movimentos de freagem. Com o estudo da fita, será possível saber se o freio falhou por falta de manutenção, de peças ou por falha do maquinista. Certo de que o acidente que causou a morte de 15 (corrigindo, 16 pessoas) em Japeri foi causado por falta de freio, o gerente de tráfego da Rede, engenheiro Mário Sidrim, também confrontará as gravações do tacógrafo com resultado das investigações a serem feitas pela Comissão de Inquérito da estatal. Enquanto Mário Sidrim falava sobre a "caixa preta", o maquinista Gilberto barreto, de 43 anos, denunciava a falta de peças novas para reposição.


- Há anos a Rede não compra peças. Quando um vagão está sem freio, retiramos as sapatas dos mais velhos pera reaproveitá-las - disse Barreto, que integra a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da Rede.


Antes de o engenheiro Mário Sidrim admitir que houve falha no sistema de freio, especulava-se que o acidente teria sido causado por sabotagem, como estaria acontecendo na Flumitrens (antiga CBTU). O chefe de Polícia Civil, delegado Hélio Luz, chegou a deslocar para Japeri o inspetor Gérson Muguet, da Metropol VI (centralizadora de delegacias da Zona Oeste), que comanda as investigações na Flumitrens.


- Felizmente, o acidente não foi causado por sabotagem - comentou Gérson Muguet.


Retirada às pressas por agentes da Polícia Ferroviária, a "caixa preta" do cargueiro foi guardada pela direção da Rede Ferroviária Federal. Mário Sidrim também descartou a possibilidade de o cargueiro estar transportando uma carga acima de sua capacidade, conforme denunciaram alguns ferroviários.


O gerente de tráfego da Rede Ferroviária explicou que o cargueiro MK-5032 trabalhava dentro do seu limite, que é de 1800 toneladas. Segundo ele, os 18 vagões - que pesam 28 toneladas, cada um - carregavam 72 toneladas de fio de máquina (produto semi-acabado, usado na fabricação de pinos, parafusos e pregos). O material, pertencente à empresa Belgo-Mineira exportações, seguia para Arará. 


Para o presidente da Rede Ferroviária, Isaac Popoutch, o acidente de ontem (18/09/1996) não passou de uma fatalidade. No entanto, os técnicos da Rede já sabem que os dois sistemas de freio da composição de carga - tanto o normal, quanto o de emergência - falharam. Agora, uma comissão interna de investigação vai ter um prazo de sete dias para apontar o que causou o problema.


- Todas as hipóteses vão ser examinadas. Pode ter havido falha na vistoria da locomotiva ou algum problema no trecho de descida da serra - disse o presidente da Rede.


Locomotiva havia sido trocada em Barra Do Piraí.




Popoutch explicou que a locomotiva original que vinha da estação de Dias Tavares, em Minas Gerais, apresentou problemas em Barra Do Piraí, onde foi substituída por uma outra. O presidente da Rede garante que, antes de seguir viagem, a locomotiva passou por uma vistoria, que verificou as condições dos freios e não foi constatado qualquer problema.


- Todas as precauções, principalmente onde há trânsito misto (carga e passageiros) foram tomadas. Os procedimentos foram seguidos à risca - disse.


De acordo com Popoutch, a Rede investiu cerca de R$ 20 milhões na recuperação de dez locomotivas e vagões de carga, além de gastar R$ 4 milhões por mês em peças de reposição. Oito horas depois do acidente em Japeri, no entanto, o presidente da Rede não sabia dizer se a locomotiva que se chocou com o trem de passageiros estava entre as dez que foram recuperadas. Popoutch também não soube informar quando tinha sido realizada a última revisão completa da locomotiva. Nem mesmo o nome dos dois maquinistas e do auxiliar que estavam no trem de cargas tinham sido levantados pela assessoria da presidência da Rede.


Pelas informações que Popoutch recebeu, o trem de passageiros que foi atingido pelo de cargas dispunha de equipamento de rádio. Mas ele não sabia se o sistema de comunicação estava funcionando.


- Tudo isso será apurado pela comissão responsável. Sabemos é que apenas quatro minutos antes do acidente o maquinista do trem de cargas informou a estação de Barra Do Piraí que estava em alta velocidade e os freios não estavam funcionando. Não houve tempo hábil para retirarmos os passageiros.


O fato de o acidente ter acontecido 48 horas antes do leilão de privatização do trecho da malha ferroviária do Rio e São Paulo, para Isaac Popoutch, não vai causar prejuízos:


- Há um consórcio habilitado e um preço mínimo já estabelecido (R$ 888,9 milhões).


Tensão em Barra Do Piraí: Cidade desperta preocupada com a notícia do acidente.


Em Barra Do Piraí o dia ontem (18/09/1996) foi de desespero para os familiares dos passageiros que embarcaram, às 6h30m, no Barrinha, como é conhecido o velho trem de passageiros. A busca por informações começou cedo, tão logo a notícia do acidente chegou à cidade, e mudou totalmente a rotina de Barra Do Piraí, Sem maiores informações, muita gente preferiu não esperar pela chegada de notícias e partiu para o Hospital da Posse, em Nova Iguaçu.

O assunto dominou a cidade. Como providências, além da procura por informações, uma ambulância e um carro funerário seguiram de Barra Do Piraí para o local do acidente, para de alguma forma tentar ajudar. O Instituto Médico Legal da cidade também mudou sua rotina em função do acidente. O IML que normalmente fecha às 17 horas, ontem foi mantido aberto até o início da noite na expectativa da chegada dos corpos.


Depois de ligar por vários anos Japeri, na Baixada Fluminense, à Saudade, bairro de Barra Mansa, as viagens do Barrinha chegaram a ser suspensas pela Rede Ferroviária Federal. As pressões, no entanto, foram tão grandes que o velho trem voltou aos trilhos, mas com o itinerário reduzido até Barra Do Piraí.




A tração elétrica foi substituída pelo diesel e os horários reduzidos à três viagens de ida e volta por dia, de segunda à sexta feira. Apesar dos problemas, o Barrinha continuou sendo o preferido pela população mais humilde, enquanto uma passagem entre Barra Do Piraí e o Rio custa R$ 7,00 a viagem no trem - que deixa o passageiro na estação de D. Pedro II fica em R$ 2,20.



Fisioterapeuta orienta socorro e salva 20 pessoas: Primeiro a chegar e último a sair, Acácio Perdigão liderou 30 voluntários e ainda quebrou vidros para chegar até as vítimas.


As mão parecem perseguir gestos rápidos. Sempre com alguns segundos de desvantagem. Mas, durante a conversa, essa impressão mostra-se tão fugaz quanto o exato instante do acidente. Hospedado na casa da sogra, há apenas seis meses, Acácio Perdigão, de 34 anos, transformou-se em turista certo e providencial. De Buenos Aires, onde trabalhou algum tempo, para a conexão Japeri. Recém chegado ao Rio, ele usou seus conhecimentos de fisioterapeuta para salvar 20 pessoas. Em meio à confusão, Acácio era quem atinava que um simples copo d'água poderia causar choques em vítimas mutiladas e que era importante imobilizar sobreviventes para evitar traumas de coluna; Com lençóis, o homem corpulento, vestido de calça jeans de boa grife e de jaquetão cáqui, recolheu os restos daqueles cuja vida não pôde salvar.


Carros são improvisados como ambulâncias.


Acácio foi o primeiro a chegar e o último a sair. Antes de ir para a guerra, chegou a confundir a tragédia com um grande curto circuito. Acácio ouviu um barulho ensurdecedor, bem parecido com o de uma explosão, quando se preparava para ir para o trabalho. Acreditando se tratar de defeito na rede elétrica do local, ele saiu de casa para desligar o relógio. Deparou-se, então, com a cena de destruição. Depois de anos como chefe de equipe de resgate do Hospital Santa Mônica em Vitória, atuando na rodovia do sol, também conhecida como rodovia da morte, ele mal pensou ao se dirigir para a ribanceira que dá acesso à cancela onde os trens se chocaram. 


Num impulso, usou a mão direita machucada para quebrar os vidros da janela de um dos vagões. Segundo ele, o vidro era tão frágil que parecia plástico. Acácio acredita que mesmo a lataria, de tão velha, poderia ser destruída a socos:


- Com a ajuda de outras pessoas, retiramos pelo menos 20 pessoas de um dos vagões, muitas delas aos pedaços, mas vivas. A cena era tão terrível que não posso acreditar no número de mortos divulgado até agora. Numa avaliação superficial, tentando dar lógica humana a pernas, braços e cabeças espalhados pelo chão, achei que tinha pelo menos 18 mortos só num vagão.


Durante 30 minutos pelo menos, Acácio trabalhou arduamente esperando a chegada da polícia ferroviária e dos bombeiros. A demora, de acordo com ele, foi fazendo com que tomasse cada vez mais iniciativa. Ele lembra que adiou ao máximo o socorro a dois rapazes que estavam com os corpos entrelaçados, presos em uma das portas do trem. Sob a calça, Acácio notou sinais de fratura exposta em ambos, era melhor não tocá-los, mas a aflição da espera foi maior e fez com que tomasse mais uma vez a iniciativa, com outros moradores:


- Graças a Deus, eles saíram bem. Relativamente, tinham fratura exposta. Vão ficar algum tempo sem andar, mas a recuperação é certa. O mais triste foi uma senhora, que perdeu um braço. Ela tinha sede, mas não deixei que dessem água; Ela podia sofrer um choque. Me disseram, mais tarde que ela faleceu.


Enquanto Acácio liderava o exército da Rua Lenin Ferreira, onde mais de 30 pessoas se mobilizaram para resgatar os sobreviventes, outro morador, Fábio Fernando De Souza, de 24 anos, atuava como cinegrafista amador.


Com uma câmera na mão, a mesma que usa em "bicos" gravando aniversários e casamentos, ele registrou o desespero dos sobreviventes, o drama dos mutilados na enfermaria improvisada no asfalto. Mas um policial ferroviário, negro, forte e alto que não se identificou o segurou pela camisa, disse que ele queria ganhar dinheiro com a desgraça alheia e retirou-lhe a fita. Justamente quando filmava o feto, caído sobre o trilho, a poucos metros da mãe, Rosilda Penedo, de 39 anos, agonizante. Indignado com o que considerou uma atitude truculenta do policial, Fábio pôs outra fita na máquina e voltou a gravar. Restou-lhe filmar os corpos. Graças à agilidade dos moradores, os vivos já estavam nos hospitais.



- Não queriam que ninguém visse o descaso com que trataram as vítimas. Não estamos num país livre? Ou ainda existe censura? Por que não podemos mostrar o que realmente aconteceu? - perguntou Lucinélia Moreira Braga, de 29 anos.


O sucesso do resgate contou com a ajuda de pelo menos oito pessoas que utilizaram seus carros como ambulâncias.


- Eu colocava três, quatro pessoas no carro e me arrancava dali, conta o pedreiro Jesuíto Domingos, de 29 anos.


A poucos metros do local do acidente, um estudante de enfermagem tornou-se um dos principais personagens na Casa De Saúde de Nossa Senhora Da Conceição onde várias pessoas foram atendidas. Procurando estágio para se formar, Augusto Jorge Da Silva de 35 anos, tropeçou numa lição de vida. Ele se ofereceu como voluntário e, em poucos minutos, já dirigia a ambulância, atendia aos parentes, fazia triagem na porta da clínica. Apenas no fim da tarde, quando falaram na possibilidade de novas vítimas estarem ainda presas nas ferragens, ele ameaçou desabar:


- Não diz isso, não. Por favor, deixa eu ficar sozinho.


Porteiro pula para vida segundos antes da colisão: sobrevivente escapa da morte apenas com torção no joelho após se atirar do trem em movimento.


Geraldo Adir De Lima, de 29 anos, saltou do trem em movimento poucos segundos antes do acidente e escapou da morte apenas com uma torção no joelho direito. Porteiro, ele voltava da casa da mãe em Barra Do Piraí, onde passou a noite porque largara tarde do trabalho. Na Casa De Saúde Nossa Senhora Da Conceição, onde recebeu os primeiros socorros, ele chorava:


- Pulei para o lado certo, quando vi que o cargueiro vinha em velocidade na mesma linha do trem que eu estava, decidi saltar. Eu estava perto da porta. O pânico era geral, só não me conformo de não ter conseguido levar ninguém comigo. Mas nessas horas, tudo acontece muito rapidamente. Foi questão de segundos. Se pensasse mais um pouco talvez estivesse morto agora.


Pressentir a tragédia, querer fazer alguma coisa para evitá-la e não ter como. Esta sensação de desespero tomou conta de pelo menos dois moradores de Japeri: Os funcionários públicos José Geraldo Da Silva e Luiz Renato Monteiro.


José Geraldo andava pela margem da ferrovia e Luiz Renato estava na casa de um amigo, à beira da estrada de ferro, a 20 metros da passagem de nível. Os dois viram o cargueiro em alta velocidade.


- De repente, comecei a ouvir o apito insistente. Cheguei na janela e olhei. Vi o cargueiro vindo a mais de cem quilômetros por hora. O desespero estampado no rosto dos dois maquinistas, cada um estava com um braço para fora de uma janela, fazendo sinal. Virei-me para a frente e vi o trem de passageiros parado na passagem de nível. A tragédia estava anunciada - disse Luiz Renato.


José Geraldo testemunhou a mesma cena. Depois de alguns segundos paralisado pelo pressentimento da tragédia, José Geraldo começou a correr em direção à passagem de nível, gritando para que os passageiros pulassem.


Foi Luiz Renato quem chamou as primeiras ambulâncias, com seu telefone celular, antes do acidente e ajudar a socorrer as vítimas.


Sobreviventes vão encomendar missa para agradecer: duas amigas escapam pela janela de um dos vagões destruídos.


Uma missa de ação de graças vai comemorar o renascimento das amigas Damiana De Souza Ribeiro Castadeli, de 31 anos, e Ednéa Da Conceição Salgado, de 29; Elas iam comprar bjuteria chapeada em madureira quando o trem em que estavam foi colhido pelo cargueiro sem freio. Damiana pensou que estava morta. Mas acordou vendo o céu pela janela do vagão que usou para escapar do inferno.


- Achei que a Ednéa estava morta porque estava de olhos fechados e a testa dela sangrava. Mas, antes de saltar, a sacudi. Consegui acordá-la e a tirei pela janela. Ela não lembra nada - diz Damiana, que só depois soube que era de sua cabeça o sangue que sujou o rosto da amiga.


Ednéa escapou ilesa. A última imagem que registrou foi da grávida de oito meses - morta com o feto no acidente - a quem ao longo da viagem observara, achando "muito miudinha, muito bonitinha com aquela roupa listrada de amarelo".



Nos trilhos da Flumitrens, medo de tragédia igual: Manutenção é precária e, segundo estatística da própria Secretaria estadual de Transportes, os trens circulam superlotados.

Para quem utiliza diariamente os trens da Flumitrens - maquinistas, cobradores e técnicos de manutenção; Tragédia semelhante à que matou 16 pessoas ontem (18/09/1996) em Japeri, pode acontecer a qualquer momento na região metropolitana do Rio. Segundo Carlos Santana, deputado federal e presidente licenciado do Sindicato Dos Ferroviários, o acidente envolvendo dois trens da Rede Ferroviária Federal e fruto do mesmo mal que torna perigosos quaisquer trilhos no estado: o sucateamento.



Santana lembra ainda que o número de mortes poderia ser até maior devido à superlotação dos trens que ligam as estações do subúrbio à Central Do Brasil em intervalos imprevisíveis. Segundo estatística do secretário estadual de transportes, Francisco Pinto, nos horários de pique os trens chegam a circular com 11 passageiros espremidos por metro quadrado.

- O processo de sucateamento das redes federal e estadual é o mesmo. A responsabilidade é mútua. Um acidente como esse tem tudo para acontecer na região metropolitana - alerta Santana.


"Maquinistas aceleram em direção ao vazio"


O sucateamento atinge do interior dos vagões à linha férrea. Técnico de manutenção da Flumitrens e diretor do sindicato, Édson Lobão diz que utiliza quase diariamente cabos de vassoura para tapar vazamentos nos tubos de ar comprimido que interligam o sistema de freio dos vagões, Lobão diz que outro "gatilho" frequente é o rodízio de sapatas de freios gastas, em vez da substituição das velhas.


- A manutenção é feita na base do "gatilho" e da canibalização. No lugar de peças novas, retira-se o que resta dos trens parados - diz Lobão.


Na sinalização, as panes diárias e sem explicação têm até um nome técnico: defeito intermitente. Os sinais quebram e voltam a funcionar sem que ninguém os conserte ou ao menos identifique o defeito.


- O sistema de sinalização e arcaico, é como se os maquinistas acelerassem em direção ao vazio, sem orientação - diz o deputado estadual Marcelo Dias, presidente da CPI que investiga a aplicação dos R$ 690 milhões liberados pelo Banco Mundial e pelo Governo Federal para a recuperação da rede estadual.


O presidente da Flumitrens, Murilo Junqueira, concorda que a sinalização e obsoleta, mas afirma que ela não coloca em risco a vida dos passageiros.


- A sinalização provoca transtornos de circulação, mas não implica em risco para a população porque funcionamos com o sistema de falha segura - explica.


Segundo ele, quando há alguma falha no sistema, é privilegiada a informação mais restritiva, no caso o sinal vermelho. A partir daí, os trens começam a utilizar sinalização manual, quando maquinistas e operadores trocam pedaços de papel, sistema semelhante ao utilizado nos vagões do Velho Oeste americano. Apesar disso, Murilo Junqueira descarta um acidente com essas dimensões na região metropolitana.


- Essa noção de insegurança é exagerada. Não teríamos um problema desses porque temos comunicação por rádio eficiente e os trens não atingem tal velocidade - diz Junqueira.


O cargueiro estava a mais de 100 km/h e os trens urbanos do Rio não ultrapassam os 40 km/h quando deveriam rodar a 60 km/h. Além do estado das composições, inútil a má conservação da linha férrea. Segundo o sindicato dos Ferroviários, há mais de 20 mil dormentes podres enquanto cerca de 180 mil dormentes estão estocados ao ar livre. Eles só passaram a ser instalados cerca de dez mil por mês, depois de julho (1996) porque não havia grampos para fixá-los nos trilhos. No trecho entre as estações de Mangueira e São Francisco Xavier, a velocidade cai para 30 km/h devido a enormes poças permanentes de lama que deixam os trilhos submersos.


O secretário estadual de transportes, Francisco Pinto, no entanto, não e tão categórico quanto o seu subordinado em relação ao risco de um acidente grave na região metropolitana.


- Acidentes como esses são imprevisíveis, se identificássemos a possibilidade, claro que interditaríamos a via, mas eles não podem ser atribuídos à má conservação - diz Francisco Pinto.


Para o secretário, a rede estadual já começou a dar sinais de melhoria. No início do mês, mais dez trens voltarem a circular, o que possibilitou o reativamento da estação de Santa Cruz, beneficiando 70 mil pessoas, segundo Pinto. E ele afirma que mais dez composições estarão novamente sobre os trilhos até o fim do mês. A previsão e de que, ao final do governo Marcelo Alencar, 230 trens estejam rodando, mesmo número de 1985.


- Chegamos ao fundo do poço em abril, quando só circulavam 72 trens. A partir daí nossos esforços começaram a dar resultados e hoje estamos com 90 carros nas linhas - diz Pinto.


Segundo o secretário, 70% da verba de R$ 690 milhões serão destinados à recuperação dos trens. Outros R$ 26 milhões serão utilizados para a instalação do Automatic Train Control, sistema de monitoramento automático importado do Japão, em 1984, por US$ 50 milhões, e mantido encaixotado até hoje. O sistema limita automaticamente a velocidade dos trens ao menor sinal de perigo nos trilhos e tem um dispositivo que impede a ultrapassagem de sinais vermelhos.


Presidente da CPI não vê melhorias na rede estadual.




O deputado estadual Marcelo Dias, que preside a CPI da Flumitrens, instalada no início de junho e prevista para terminar em novembro, não vê melhorias até agora.


- As verbas já foram liberadas e não há sinal de melhoria no sistema, mas e cedo para afirmar que há malversação do dinheiro público - afirma.
Enquanto isso, a população do estado foge dos trilhos da rede ferroviária. Em julho, a Flumitrens transportou em média 305 mil pagantes por dia. Em agosto, o número caiu para 281 mil. Segundo o presidente Murilo Junqueira, cerca de 100 mil pessoas são transportadas sem pagamento. 


Mas, mesmo levando-se em conta o universo de 400 mil passageiros, o número e menos da metade dos 900 mil transportados por dia em 1985.

As locomotivas dos trens cargueiros possuem quase o dobro de tamanho dos TUEs (Trem Unidade Elétricos) que formam os trens metropolitanos. E para evitar acidentes semelhantes, o sistema ferroviário adotou as normas que impedem a circulação de trens mistos (carga e passageiros), e a redução das composições de cargas em ramais compartilhados com trens metropolitanos.


Resgatando as notícias de jornais que divulgaram as investigações na época, e possível ter uma noção melhor sobre o que foi realmente uma fatalidade e o que foi negligência.  


A malha Sudeste, a mais rentável da Rede Ferroviária Federal RFFSA, foi arrematada ontem (21 de setembro de 1996) em leilão na bolsa do Rio em apenas um minuto, pelo preço mínimo de R$ 888,9 milhões. O comprador, como era esperado, foi o consórcio MRS Logística, formado por Companhia Siderúrgica Nacional, Cosigua, Usiminas, Ultrafértil, MBR, Ferteco, Celato e ADS, do Bradesco. Presente ao leilão, o ministro Antônio Kandir disse que até dezembro o governo privatizará sete portos.


Maquinistas acham que houve desleixo: Sob efeito de calmantes, eles afirmam que os dois sistemas de freios do cargueiro falharam na serra.


Os dois sistemas de freios do trem da Rede Ferroviária que provocou o acidente de quarta feira passada (18/09/1996), em Japeri, falharam, segundo os maquinistas Cláudio Guimarães e Daniel Barbeiro. Os dois, que dirigiam o cargueiro, contaram ontem que acionaram o freio convencional quando a velocidade aumentou na descida da serra, mas o trem não parou. Foi acionado então o freio de emergência, mas a velocidade continuou aumentando. Cláudio e Daniel, sob efeito de calmantes desde o acidente que matou 16 pessoas, denunciaram que não havia comunicação de rádio com a estação de Japeri para pedir a retirada do trem de passageiros da linha.



Ferroviários garantem que mudança no sistema de vistoria aumentou o risco de acidentes.


Desespero e angústia diante do inevitável: o choque com o Barrinha. Os dois maquinistas do trem cargueiro contaram ontem os momentos de pânico que passaram minutos antes da colisão com o Barrinha e afirmam que há três meses, quando a revisão nos trens era completa, a tragédia que matou 16 pessoas na quarta feira passada, em Japeri poderia ter sido evitada. Ainda abalados, Cláudio Guimarães, de 36 anos, e Daniel Rodrigues Barbeiro, de 40, culpam a falha no sistema de freios e a falta de comunicação entre as estações pelo acidente.


- Usamos todos os recursos para parar o maldito trem - disse Daniel Rodrigues Barbeiro.


Os dois detalharam os momentos da descida da serra desde que no km 77 se depararam com o sinal vermelho e ao acionarem o freio da locomotiva ela desenvolveu maior velocidade, chegando a 40 km/h - o limite e 30 km/h. Nesse momento, eles começaram a se comunicar com a estação de Barra Do Piraí e souberam que estavam na mesma linha que o Barrinha. Acionaram o freio de emergência, que também não conseguiu parar o trem. O momento de maior temor foi quando souberam que o Barrinha estava na mesma linha.


- Ficamos desesperados. A nossa maior preocupação era com o Barrinha. Gritávamos por socorro pelo rádio, pedindo que se comunicassem com Japeri para a retirada do Barrinha. No momento só consegui pensar nas pessoas que estavam dentro do trem - contou Daniel Rodrigues, com a voz embargada.


Daniel, 18 anos de Rede, nunca enfrentara problema semelhante.


Com 18 anos trabalhando como maquinista da Rede Ferroviária Federal, Daniel Rodrigues disse nunca ter enfrentado tal problema. Segundo ele, a questão sobre a revisão completa nos trens está sendo discutida pelos ferroviários há vários meses. O principal temor é de que acontecessem acidentes como a tragédia de quarta feira.


- Em todos esses anos nunca vi um trem perder os freios dessa maneira.

Desde o dia do acidente, os dois maquinistas estão sob efeito de calmantes. Proibidos de dar declarações pela Rede Ferroviária, eles temem ainda a reação dos parentes das vítimas do acidente. Ontem (20/09/1996), os dois resolveram dar entrevista, numa cidade do interior do estado temendo que sejam apontados como causadores desse acidente. Eles confirmaram o desgaste das sapatas de freios:



- Fizemos o serviço correto. Tudo que foi humanamente possível para parar o trem e tentar avisar para tirar o Barrinha da linha. Acionamos o freio convencional e depois o de emergência. O segundo deveria ter parado o trem. Foi uma sensação horrível ver que o choque e a tragédia, eram inevitáveis.


Entre a comunicação do problema e o choque passaram-se dez minutos de angústia e impotência. Cláudio estava no comando da locomotiva. Quando viu que não havia meios de comunicação via rádio com Japeri. Passou o comando para Daniel Rodrigues e saiu da locomotiva. Foi para o primeiro vagão e segurando-se no corrimão tentou checar a situação dos freios dos vagões. Viu um rapaz que estava parado às margens da rodovia e pediu que tentasse se comunicar com Japeri. Enquanto isso, Cláudio continuava no rádio falando com o centro de controle de Barra Do Piraí. Diante do inevitável, Daniel também saiu da locomotiva e na hora da colisão os dois estavam no segundo vagão.


- Em nenhum momento pensamos em abandonar o trem. Iríamos continuar tentando parar o trem até o fim - disse Daniel, com lágrimas nos olhos. Para os dois a tragédia poderia ser evitada se liberassem a partida do Barrinha. Segundo Daniel Rodrigues, se o Barrinha não estivesse na mesma linha, o trem cargueiro perderia a velocidade gradativamente até parar. Ele descarta a possibilidade de atingir o trem de Japeri que estava na estação, o que provocaria uma tragédia ainda maior. Pelos cálculos do maquinista, em mais dois quilômetros o trem parava.


As especulações sobre falha humana deixaram os dois ainda mais abalados. Agora, eles só esperam que tudo seja esclarecido. Depois de amanhã (23/09/1996) os dois serão ouvidos em Barra Do Piraí no inquérito administrativo da Rede Ferroviária Federal. Dos 40 km/h até o momento da colisão, a locomotiva chegou a atingir 120 km/h, a seis quilômetros de distância do Barrinha. No momento da colisão, o trem estava a 93 km/h.


As famílias dos dois maquinistas também estão abaladas. Elizabeth, mulher de Daniel, disse que o dia do acidente foi de angústia e medo. Ela soube do acidente pela manhã, mas somente à noite, quando o marido chegou em casa, soube que ele estava bem. A preocupação que a Rede Ferroviária Federal teve de não divulgar a localização dos maquinistas acabou deixando as famílias ainda mais apreensivas. 


- Tentei durante todo o dia saber notícias do Daniel, mas diziam que não era permitido dar informações e que não sabiam o nome do maquinista. Só quando ele chegou em casa, depois das 18h, pude ficar mais tranquila. A única preocupação dele é com as vítimas do acidente - disse Elizabeth.


Um outro trem cargueiro estava subindo para Barra Do Piraí e cruzou com a locomotiva. Os maquinistas prestarão depoimento hoje (21/09/1996) e contarão o que viram na linha férrea. Antenor Alberto, um dos maquinistas, contou o que viu:


- Vi o maquinista (Daniel) desesperado, gritando por socorro. Ele pedia que avisássemos sobre o Barrinha. Em pânico, ele gritava que não estava conseguindo frear o trem e a velocidade estava aumentando. Ele estava tentando frear o vagão, mas não conseguia.


Sobre o inquérito que foi aberto na 55ª DP em Queimados, a diretoria da associação de maquinistas de Barra Do Piraí informou que os dois não irão a delegacia prestar depoimento.


- Eles não irão à delegacia. Não tem condições emocionais para depor - disse Benitez Gomes, presidente da associação.



Desastre: Moradores de lugares na rota do trem atingido pelo cargueiro temem perder linha entre Barra Do Piraí e Japeri.


Ao sair dos trilhos, atingido pelo cargueiro da Rede Ferroviária na última quarta feira (18/09/1996), o Barrinha confinou ao isolamento dos lugarejos do alto da serra de Paracambi; Sem contar com estradas pavimentadas e muito menos linhas de ônibus, os moradores de Engenheiro Gurgel e Mário Bello, as duas últimas estações sentido Barra Do Piraí - Japeri, estão desde o acidente, sem outra alternativa senão andar quilômetros em estrada de terra até chegar a um ponto de ônibus.


A cerca de quatro quilômetros da estação de Japeri, Mário Bello nasceu às margens da estrada de ferro. Lá moram cerca de 20 famílias, a maioria de lavradores que dependem do Barrinha para qualquer movimento: para chegar até a estrada que liga Japeri a Miguel Pereira, eles têm que andar 2,3 quilômetros. Com o acidente, descarrilou também a vida dos moradores locais.


Trem afasta padre de Engenheiro Gurgel:


A Escola Municipal Mário Bello, única da região, reduziu seu efetivo à metade; Sem trem, uma das duas únicas professoras da escola, que mora em Paulo De Frontin, não tem como chegar a Mário Bello. Resultado: uma das turmas está de férias forçadas.


Os cachos de banana, principal produto da região, se acumulam nos sítios, à espera da volta do Barrinha.




- Três vezes por semana, desço até Japeri, e de lá sigo até Comendador Soares, em Nova Iguaçu, para vender bananas. Levo de cem a 150 dúzias por vez. Sem o trem, não tenho como transportar a fruta nem como ganhar meu dinheiro nas feiras - diz Doum Raimundo Da Silva, que teme que a Rede Ferroviária tire o Barrinha de vez de circulação - Ele atrasava, às vezes não vinha, mas é a nossa única saída daqui. Não podemos ficar sem ele. Mas também não podemos descer a serra para morrer lá em baixo. Precisam melhorar a conservação das linhas e trens.


Em Engenheiro Gurgel, a cerca de seis quilômetros de Japeri, Amarildo De Souza não se lembra da última vez que viu a pequena Igreja De Nossa Senhora Do Parto com as portas abertas. A igrejinha fica encarapitada no alto da colina em frente ao que restou da estação, a penúltima atendida pelo Barrinha. Desde que as saídas do trem foram drasticamente reduzidas, escassearam as idas do pároco ao lugar, segundo Amarildo.


- O  padre mora em Japeri e como só pode chegar aqui de trem, ele fica na dependência do Barrinha, que sempre atrasa ou deixa de passar sem qualquer justificativa - afirmou ele, nascido e criado no distrito rural de Paracambi.


A ausência do padre detectada por Amarildo reflete o gradual abandono a que Engenheiro Gurgel está submetido. A perspectiva de que o acidente de quarta feira (18/09/1996) sirva de pretexto para a Rede tirar o Barrinha definitivamente da linha atemoriza Amarildo.


- A gente já teve uma vida sacrificada com o trem passando três vezes por dia, imagina se o trem parar de circular. Toda população daqui (mais de cem pessoas) depende do trem para estudar em Mendes, fazer compras em Japeri ou simplesmente para trabalhar. Não podem acabar com o trem - disse Amarildo, que trabalha em Ricardo Albuquerque e sai de casa ás 4h.


A sinceridade de Amarildo reflete a importância do Barrinha para a comunidade. Afinal, não lhe faltam péssimas recordações do trem. Sua mulher, Rosa Helena, viveu momentos de horror dentro do Barrinha no dia do acidente. Ferida na orelha e cheia de hematomas, ela falou com dificuldades do trauma:


- Me salvei porque estava no primeiro vagão. Perambulei sangrando por entre os destroços e vi cenas horríveis. Mas o trem tem que continuar na serra. Apesar do medo, Rosa torce para que o Barrinha volte.


Identificada e sepultada última vítima: Lavradora de 74 anos viajava no trem Barrinha para visitar os parentes.


Última a ser identificada entre os 16 mortos do acidente de trem ocorrido em Japeri na quarta feira passada (18/09/1996), a lavradora Joaquina Antônia Do Couto, de 74 anos, foi enterrada ontem (20/09/1996) pela manhã no cemitério do Irajá. Por estar sem documentos, o corpo de Joaquina permaneceu no IML de Nova Iguaçu até ser reconhecido, anteontem à tarde, por parentes durante o enterro, a família de Joaquina disse que não descarta a possibilidade de processar a Rede Ferroviária Federal.




Segundo o sobrinho Silvio Nascimento Cabral, a lavradora morava sozinha num sítio em Mendes e tinha o hábito de viajar no trem Barrinha, nos dias de folga, para visitar uma irmã, em Quintino. No momento do acidente, Joaquina carregava para dar a irmã cachos de bananas que ficaram espalhados pela linha.


- O que ela mais gostava era andar de trem. Sempre que estava de folga, viajava no Barrinha para visitar um dos muitos parentes que tinha - disse Sílvio.


A lavradora deixa duas filhas moradoras de Muriaé MG, que até ontem não sabiam da morte da mãe. Cerca de 30 amigos e parentes compareceram ao seu enterro. Joaquina morreu em consequência de traumatismo craniano e afundamento do tórax. Ela chegou a ficar internada no Hospital da Posse, mas não resistiu.


Apenas três pacientes continuam internados.


No Hospital da Posse em Nova Iguaçu, continuam internados a sacoleira Lourdes Maria Da Silva Santiago, de 36 anos, que sofreu traumatismo craniano; O servente João Carlos Correia, de 35, que teve perfurados o abdômen e o tórax; E Luís Fernando Conceição, de 47 anos, fiscal do trem de Barra Do Piraí e que também levou uma forte pancada no abdômen. Todos se recuperam de operações e estão em estado regular, sem previsão de alta.


Reclamando de dores no corpo e com o olho esquerdo quase fechado devido a um hematoma, Lourdes Maria disse que processará a Rede Ferroviária pelo acidente. Ela e a amiga Ellane Lopes, de 29 anos, estavam no último vagão, próximo ao banheiro, quando ouviram os gritos dos passageiros e em seguida o estrondo do choque entre os trens.


- Fomos lançadas para fora e minha amiga teve as pernas quebradas - relembra.


O fiscal da RFFSA Luís Fernando da Conceição disse nunca ter presenciado um acidente tão grave em 23 anos de trabalho na Rede; Agora, ele quer apenas ir para casa aproveitar a aposentadoria pedida há um mês.



Locomotiva vai refazer trajeto do acidente amanhã (22/09/1996).

Depois das 16 mortes, trens voltam a passar por rigorosa vistoria na estação de Barra Do Piraí: 71 itens em duas horas.

Cargueiro com o mesmo peso de que causou tragédia estará nos trilhos para ajudar a descobrir causas da colisão.


Uma locomotiva da Rede Ferroviária Federal S.A RFFSA com 18 vagões e 1270 toneladas de carga num conjunto semelhante ao de quarta feira vai partir da estação de Barra Do Piraí amanhã (22/09/1996), em direção a Japeri, reconstituindo o trajeto que terminou com a morte de 16 pessoas. No comando da locomotiva, a comissão de engenheiros da RFFSA que investiga as causas do acidente.


Cada alteração no trem durante o trajeto será verificada. Instrumentos registrarão o aumento de temperatura das rodas e até a aceleração obtida na descida da Serra das Araras. A partir dessas medições, o engenheiro Paulo Fernando da Silva Paim, presidente da comissão de investigação da RFFSA, pretende obter pistas decisivas para esclarecer por que o cargueiro chegou à estação de Japeri a cerca de cem quilômetros por hora. A comissão tem até a próxima quarta feira (25/09/1996) para apresentar um relatório ao presidente da RFFSA.


- Usaremos uma locomotiva idêntica, 18 vagões,volume de carga equivalente, para verificar como a composição se comporta no trecho - explicou Paim.


Hoje (21/091996), a comissão começa a ouvir os envolvidos no acidente, desde os controladores de tráfego das estações de Barra Do Piraí e Japeri e do posto do km 64 (que fica a três quilômetros de Japeri) até Reinaldo Augusto Costa, responsável pela inspeção do cargueiro em Barra Do Piraí. Os depoimentos mais aguardados são os dos quatro maquinistas envolvidos no acidente, que devem acontecer esta semana. 

O local e mantido em sigilo.

 Enquanto a comissão da RFFSA preferia só se manifestar ao final das investigações, o engenheiro Vicente Paulo Portez, da Kubota Equipamentos Ferroviários, examinava as 24 sapatas de freio da locomotiva do cargueiro. A Kubota fornece sapatas à RFFSA. Vicente Paulo disse que as sapatas estavam em condições de uso.


- Todas as sapatas estão com mais de 13mm de espessura. Quando são sucateadas, elas têm uma espessura menor. Esse acidente não foi provocado por sapatas gastas - garantiu.


Em Barra Do Piraí, a morte de 16 pessoas determinou uma mudança nos procedimentos de inspeção: os trens de carga que voltaram a circular ontem passaram por vistoria rigorosa, levando em conta os 71 itens exigidos. Dos dez minutos que durava, a vistoria passou a ser feita em duas horas. 


Mas a preocupação chegou até as normas de tráfego na linha férrea. Um aviso afixado na estação de Volta Redonda alertava para os procedimentos que os maquinistas dos trens de cargas teriam que adotar na Serra. "Marcha vagarosa de 10km/h no Km 64 nas linhas 1, 2 e 3 devido ao acidente do QSV 0129".


Possibilidade de sabotagem não é afastada por Rede: Presidente da empresa lembrou casos igueis em outros leilões.


O presidente da Rede Ferroviária Federal, Isaac Popoutch, não descarta a possibilidade de o acidente em Japeri ter sido provocado por sabotagem. Popoutch fez a declaração ontem (20/09/1996) após participar do leilão da Malha Sudeste da Rede na Bolsa de Valores. Ele irisou que a colisão de quarta feira ocorreu às vésperas do leilão. E lembrou que, no período dos outros dois leilões realizados (da Malha Oeste em março e da Centro Leste em junho), também aconteceram acidentes. Popoutch afirmou que circulam no país 760 trens da Rede diariamente, sem nunca ter ocorrido acidente tão grave como o de Japeri. Além das investigações feitas pela própria empresa, a RFFSA pediu à Polícia Federal abertura de inquérito:


- Nós estamos considerando todas as possibilidades: negligência, falha humana, falha mecânica, sabotagem.


Popoutch disse não ter o menor fundamento a notícia de que foram usados nos freios do cargueiro, que pertence à Malha Sudeste, sapatas sucateadas. Ele garantiu que os freios estavam em perfeitas condições, assim como as sapatas.


- A Rede jamais usaria uma sapata usada. Elas são usadas até sua vida útil ser esgotada, mas jamais pegamos sucata para usar. E é claro que os freios foram verificados - garantiu.


Segundo presidente, prejuízo anual chega a R$ 300 milhões.


A Rede, segundo Popoutch, tem tido prejuízos anuais de R$ 300 milhões, o que não permite recuperar todas as locomotivas.


- Na operação dos trens, nenhuma locomotiva é posta em movimento sem garantias absolutas de segurança. Qualquer outra coisa que se diga é inverdade.


O presidente atribuiu as denúncias de mau estado da Rede aos sindicatos dos ferroviários. Segundo ele, cerca de três mil funcionários estão sendo demitidos. Os ferroviários sabem que a nova concessionária da Malha Sudeste, a MRS Logística, deverá fazer mais demissões. A Rede tem um departamento de segurança com mais de cem pessoas. Por causa do acidente, a vigilância foi redobrada.


A empresa está disposta a tratar com os parentes das vítimas a questão das indenizações. Popoutch explicou que a Rede tem um procedimento para calcular indenização baseado na vida útil da vítima; Expectativa de vida, média de salário, entre outras coisas. A partir desses dados se estabelece um percentual e se calcula a indenização. A Rede não sabe ainda qual será o gasto com as indenizações.


- Despezas médicas, indenizações, despesas de funeral, tudo será pago pela Rede. Faremos acordos com as famílias que desejarem, elas não precisam ir à Justiça. Se conversarem diretamente conosco, não terão custos com advogado - disse.


Por causa do desastre, a empresa vai reduzir o volume de carga transportada e atrasar as saídas dos trens, para fazer uma completa inspeção em toda a malha ferroviária. 


Testes revelam que dez vagões não tinham freios: 

Laudos do acidente estarão concluídos na próxima semana.

Os testes feitos ontem pela manhã, pela Comissão de Investigação da Rede Ferroviária Federal, no trem cargueiro revelaram que, os dez vagões que restaram da composição estavam sem freios. O presidente da Associação de Maquinistas de Barra Do Piraí, Benitez Gomes, ouviu o relato dos dois maquinistas que fizeram os testes. Eles contaram que, ao acionar os freios, as sapatas não seguraram as rodas. Os testes, segundo ele, foram supervisionados pelo engenheiro da Rede Aloísio Líbano, membro da comissão que investiga as causas do acidente, e pelo supervisor de tração Carlos Gomes Carreira.


Benitez Gomes contou que os testes foram de manhã, no Km 2 no ramal de Brisa Mar, próximo a Japeri. Enquanto uma locomotiva puxava os vagões, os maquinistas Walter Tarradt e Nilson Pereira Do Nascimento acionaram os freios com as mãos, mas as sapatas não prenderam as rodas.




Paim confirma os testes feitos em dez vagões.


O presidente da Comissão de Investigação, Paulo Fernando Da Silva Paim, confirmou que foram feitos testes nos dez vagões, mas negou-se a comentar os resultados. Paim limitou-se a explicar como foram os testes; Puxados por uma locomotiva, os vagões foram submetidos a diferentes condições de frenagem enquanto uma sapata especial media a pressão que o pistão do freio exerce sobre a roda. Para isso o aparelho e encaixado no lugar de uma sapata de freio normal. Os testes serão repetidos ininterruptamente à noite.


Na próxima semana, a Polícia Civil começa a ouvir as testemunhas arroladas no inquérito que vai apurar crime de homicídio culposo pela morte de 16 pessoas no acidente. Os principais depoimentos serão dos quatro maquinistas envolvidos na colisão, mas o advogado da Rede Ferroviária Federal, José Faustino Ferreira De Jesus, entrou com uma petição pedindo um prazo maior.


Todos os funcionários que estavam de plantão vão depor.


Responsável pelas investigações, o detetive José Vicente Gomes da 55ª DP de Queimados, disse que os trabalhos só poderão avançar após o resultado da pericia. O laudo que está sendo elaborado pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboll (ICCE) e por peritos de Nova Iguaçu também deverá ser concluído na próxima semana. De acordo com Gomes, a perícia poderá adiantar os motivos que ocasionaram o acidente.


Ele afirmou que nenhuma hipótese está sendo descartada na investigação. Gomes vai considerar inclusive, a possibilidade de sabotagem. Todos os funcionários de Rede Ferroviária que estavam de plantão no dia do acidente, entre Barra Do Piraí e Japeri, serão convocados a prestar esclarecimentos na delegacia.


Local do acidente é liberado para tráfego: 

Trem De Prata, que liga Rio a São Paulo, é a primeira composição a cruzar Japeri.



O Trem De Prata, composição de luxo da RFFSA para passageiros que faz o trajeto Rio - São Paulo, foi o primeiro a passar pelos trilhos nos quais ocorreu o acidente que matou 16 pessoas na quarta feira, a linha 1 da via férrea entre Japeri e Barra Do Piraí.


Às 20h30 de ontem (20/09/1996), o trem turístico deixou a estação da Central Do Brasil rumo a São Paulo. A composição, no entanto, teve que passar a uma velocidade de apenas 5 km/h no local do acidente, já que ainda há trilhos empenados e os três aparelhos de mudança de via (que deslocam os trens de uma via férrea para outra) foram destruídos.


- O Trem De Prata vai trafegar como se fosse um automóvel passando por um desvio numa estrada, devagar e com cuidado - explicava na tarde de ontem um engenheiro da RFFSA que pediu para não ser identificado.


Segundo o engenheiro, o transporte de carga deve ser autorizado hoje (21/09/1996) à tarde. Para desobstruir a via férrea, a RFFSA utilizou mais de 80 homens e três guindastes, trabalhando dia e noite desde o acidente. A primeira via a ser desobstruída foi a linha 3, que é usada normalmente pela composição da Flumitrens que faz a ligação entre Paracambi e Japeri. No entanto, como a locomotiva é movida por energia elétrica, o trem só deve voltar a circular na segunda feira (23/09/1996), data prevista para terminar a remoção dos destroços. Enquanto os guindastes estiverem na pista, há o risco dos fios elétricos da rede aérea - que transmitem três mil volts de eletricidade - serem atingidos.




Os únicos trilhos ainda interditados são os da linha 2. Cerca de 200 metros da linha estão sob as 1270 toneladas de fios de aço, que eram transportados pelo cargueiro. A carga só começará a ser removida hoje de manhã (Observação: o processo de edição do jornal impresso e feito de madrugada).


Apesar da liberação do trecho onde ocorreu o acidente, a linha de transporte de passageiros da Rede conhecida como Expresso Barrinha, onde estavam as 16 pessoas que morreram no acidente, foi suspensa.


- Não desejamos operar trens de passageiros. As cerca de 200 pessoas que utilizavam essa linha têm outras alternativas de transportes de ônibus - disse o presidente da Rede Ferroviária Federal, Ipaac Popoutch.



Maquinistas pediram desvio da rota: Responsável pela revisão confirma que a vistoria do trem de carga foi malfeita.


Os dois maquinistas do cargueiro que bateu num trem de passageiros anteontem (18/09/1996), matando 16 pessoas, disseram em Barra Do Piraí, ter avisado oito minutos antes da colisão que estavam sem freios. Eles perceberam o problema a cerca de dez quilômetros de Japeri e pediram a abertura de uma linha de desvio, mas não foram atendidos. O trem de carga passou por uma inspeção de apenas cinco minutos antes de descer a Serra Das Araras. 


O responsável pelo serviço, Reinaldo Augusto Da Costa contou que, segundo ordens, verificou apenas se havia ar comprimido nos freios. A inspeção completa deveria ter durado uma hora e 20 minutos.




Tragédia esperada: O trem cargueiro se chocou com o trem de passageiros às 8h16m de quarta feira. Mas o desastre estava pronto para ocorrer há anos. Como muitos outros, o acidente em Japeri foi resultado direto e inevitável da decadência e do abandono da malha ferroviária nacional.


A passividade com que Governos sucessivos acompanharam o sucateamento de todo o sistema não poderia produzir outro resultado. Pouco importa o que venha a dizer o inquérito, se houve falha mecânica ou humana. Na verdade, é a estrutura inteira que está obsoleta. E as tragédias são inevitáveis: só não se sabe quando e em que ponto dos trilhos acontecerão.


Privatizar é a solução natural, óbvia. O Brasil está caminhando para ela com rapidez. Infelizmente. Demoramos a começar.


Maquinistas pediram abertura de desvio para evitar a colisão. 


Em depoimento informal na subsede de Barra Do Piraí, os maquinistas do cargueiro, Cláudio Guimarães e Daniel Rodrigues, contaram ontem (19/09/1996) que chegaram a pedir, pelo rádio, que fosse aberta uma das linhas de desvio da estação de Japeri, para evitar a colisão com o trem de passageiros; Como não tiveram respostas, os maquinistas imaginaram que o desvio não foi aberto porque havia outros trens no pátio.


Os dois, muito abalados, contaram ainda que o aviso de que o cargueiro perdera o freio foi dado aos controladores do tráfego de Japeri oito minutos antes da colisão e não três minutos, como contaram funcionários da Rede Ferroviária Federal. Pelo rádio, eles disseram ter pedido ainda que o sinal vermelho fosse aberto, permitindo a partida imediata do trem de passageiros que estava à frente do cargueiro. Os maquinistas contaram que perceberam o problema no freio a cerca de dez quilômetros de estação de Japeri.


Cláudio e Daniel também criticaram a Rede Ferroviária por não ter um plano de emergência. Eles contaram que, nos oito minutos de angústia que viveram antes da colisão, fizeram de tudo para parar o cargueiro. Além de usar o freio de emergência, que não parou a composição, eles chegaram a subir no primeiro vagão para acionar o freio manual, de novo sem resultado. Segundo eles, na descida da Serra Das Araras, o trem de carga chegou a alcançar 120 km/h. Na hora do choque, a velocidade era de 93 km/h.




A direção da Rede Ferroviária e a Associação dos Maquinistas estão escondendo os quatro maquinistas envolvidos no desastre de trens em Japeri, para que eles não deem entrevistas. Na noite da tragédia, o endereço deles foi retirado do registro de funcionários dos computadores, para que nenhum empregado desse a informação à imprensa.


- A direção da Rede certamente pressionou os maquinistas para eles não conversarem com a imprensa - disse o deputado federal Carlos Santana, presidente licenciado do Sindicato do Ferroviários, que passou o dia em Barra Do Piraí. - E eles afirmam que só vão falar depois que a Rede Ferroviária concluir o inquérito. A posição do Sindicato é de que eles devem esclarecer o assunto, principalmente os dois maquinistas do cargueiro.


A Associação do Maquinistas não pensa da mesma maneira e aconselhou Daniel, Cláudio, Pedro Carvalho e Jaldemar Ferreira Da Silva (os dois últimos estavam no trem de passageiros) a evitarem jornalistas. Para a direção da entidade, a imprensa poderia deturpar as explicações dos ferroviários.


- Sabe como é; Recentemente tivemos muitos demitidos. Com a privatização da Rede, haverá mais demissões. As Pessoas têm medo - disse Santana.


O depoimento dos maquinistas no inquérito aberto na 55ª DP de Queimados foi adiado, porquê os funcionários da Rede Ferroviária não apareceram. A empresa entregou à polícia um documento, explicando que os maquinistas não tinham comparecido por ainda se encontrarem em estado de choque.


Segundo o deputado Carlos Santana, o acidente poderia ter sido evitado se, há três meses, a Rede Ferroviária não baixasse a ordem de liberar rapidamente os trens, sem revisão geral. - Os ferroviários trabalham em precárias condições materiais e humanas. A escala de serviço é desumana. Quando acontece um desastre desse, todos ficam traumatizados.


Hoje (20/09/1996), o sindicato organiza um ato ecumênico às 9h junto à linha férrea de Barra Do Piraí, em memória das vítimas do acidente.


Tráfego ferroviário deve ser restabelecido hoje.


Operários da Rede Ferroviária continuam trabalhando para a liberação da linha no trecho do acidente em Japeri. A previsão é de que hoje esteja liberado o tráfego dos trens de carga e o Trem De Prata. O Barrinha ainda não tem previsão para voltar a operar, porque depende de revisão e novas composições. Além de recolher as bobinas de fios de aço que se espalharam pelos trilhos, limpar  e retirar os escombros, os operários tiveram de pôr o trem de carga, que descarrilou, nos trilhos, com a ajuda de um guindaste.


O acidente provocou ainda um vazamento de seis mil litros de óleo diesel. O combustível escoou por cerca de um quilômetro do local do acidente e provocou ainda um incêndio na noite de anteontem (18/09/1996). O casebre de Dalmir de Aquino, na Praça Israel, ficou destruído. Ele disse que pedirá indenização à Rede Ferroviária Federal. Ontem a tarde, técnicos da Rede vistoriaram a casa.


Durante o dia, técnicos do Serviço de Poluição Acidental da Feema trabalharam para controlar o vazamento. Fizeram barragem para evitar que o combustível chegasse ao rio que passa na cidade jogando serragem.


O valor do prejuízo da empresa Belgo-Mineira com a carga, que tinha como destino Canadá e Austrália, não foi avaliado. Ontem, Paulo Roberto Ramos, analista da empresa, foi ver o estado da carga. Segundo ele, 50% das 1270 toneladas de fio de aço foram danificados. Cada vagão transportava 36 bobinas, segundo ele, num total de 70 toneladas.


A situação no Hospital da Posse está bem mais tranquila, segundo o médico Lino Fieiro. Ontem pela manhã, quando ele assumiu o plantão, havia 11 vítimas internadas. Durante o dia, seis pessoas receberam alta. Apenas cinco ainda estão no hospital, mas nenhuma em estado grave. 


Há três pós-operatórios - pessoas com traumatismo de crânio, abdômen e tórax - que estão em observação. Passaram pelo CTI, mas já estão em enfermarias. Devem ficar no hospital no máximo mais uma semana.


Lista de 15 dos mortos confirmados pelo IML de Nova Iguaçu:


Alexandre Dos Santos; Ilmar Figueiredo; Pedro Lopes; Paulo Roberto Leal Pereira; Ilcemar De Freitas Texeira; Marcos Antônio Bezerra Da Silva; Luís Antônio De Paula Valente; Marina Rodrigues De Souza; Nilza Borges Dos Santos; Mauro Cabral Renan; Antônio Jardim; Juliano Maria Da Silva; Rozilda Penedo; Gabriel José Da Silva e Viviana Maria Da Silva. (A última vítima fatal a ser identificada foi: Joaquina Antônia Do Couto). 




Jornal O Globo - dois dias após o acidente.

Iniciativa privada deve assumir hoje a Malha Sudeste para tornar rede segura: Com a modernização, empresários querem reduzir a zero o número de acidentes.

Reduzir o número de acidentes a zero atacando diretamente as suas causas. Essa e uma das principais metas da MRS Logística, o consórcio que deverá arrematar a Malha Sudeste da Rede Ferroviária Federal no leilão que se realizará hoje (20/09/1996), às 14 horas, na Bolsa de Valores do Rio De Janeiro. Segundo um representante da MRS Logística, serão investidos R$ 400 milhões nos próximos quatro anos na melhoria e modernização de todo o sistema da Malha Sudeste, para que, entre outras coisas, evitar que aconteçam de novo desastres como o de anteontem.

De acordo com informações de Bernardo Figueiredo, presidente da Interférrea, uma das empresas da MRS Logística, desde que o Governo Federal decidiu privatizar as malhas da Rede Ferroviária, não tem destinado mais recursos para a manutenção.

- Com a sua privatização, vai se recuperar a malha, fazer a manutenção das locomotivas, dos trilhos, se colocará peças novas, modernizando todo o sistema de operações. O resultado disso e o fim dos acidentes - disse Figueiredo.



Trilhos passam por três estados: Rio, Minas e São Paulo.

O objetivo do consórcio - formado, além da Interférrea, pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Usiminas, Cosipa, MBR, Ferteco, Ultrafértil, ABS (Bradesco) e Celato, e superar as metas de redução de acidentes exigidas pelo Ministério dos Transportes. Pelo contrato que será assinado com o vencedor do leilão, a nova concessionária terá que reduzir o nível de acidentes da Malha Sudeste, que no ano passado foi de 66 por cada um milhão de quilômetros rodados pelos trens, em 5% até fins do segundo ano da concessão. No terceiro ano, a redução do índice de acidentes terá que chegar a 15%; No quarto ano, a 30%, e no quinto ano, a 40%. A cada cinco anos serão fixadas novas metas.

- O acidente de Japeri foi uma zebra porque a Malha Sudeste e a que está em melhores condições de manutenção da Rede - disse outro empresário da MRS Logística. - A meta do setor privado e reduzir a zero os acidentes e para isso investiremos pesado nos próximos quatro anos.

Segundo esse empresário, apesar de a Rede não estar mais destinando recursos para a manutenção da Malha Sudeste, que corta os estados do Rio De Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os seus usuários investiram só neste ano R$ 80 milhões. Esses recursos são adiantados pelos usuários da malha como antecipação de fretes e são utilizados na manutenção do sistema.

A MRS pretende investir na melhoria do sistema, melhorando por exemplo, a sinalização. O objetivo e modernizar toda a Malha Sudeste. O presidente da Interférrea afirmou que com a privatização da Rede, os novos concessionários, para manter seus clientes e conquistar novos, terão que oferecer um serviço regular, confiável e seguro. E tudo isso vai acabar resultando na redução do número dos acidentes.

- Um acidente de trem não significa apenas prejuízo financeiros para o concessionário, além das mortes que são irreparáveis; Significa também perda de confiabilidade - disse.

O trágico acidente com o Trem Barrinha operado pela Rede Ferroviária suspendeu os serviços do trem de passageiros que fazia o percurso Japeri - Barra Do Piraí. Devido a privatização, o trem foi suprimido definitivamente quando a MRS Logística assumiu toda a Malha Sudeste, transportando contêineres, siderúrgicos, cimento, bauxita, agrícolas, carvão e minério de ferro.