segunda-feira, 5 de março de 2018

Complexo Ferroviário Da Linha Auxiliar (PARTE 1)

A Estrada De Ferro Melhoramentos Do Brasil começou a ser construída em 1892 para ligar Belém (atual município de Japeri) a Entre Rios (atual município de Três Rios). Em 1903 foi incorporada a Estrada De Ferro Central Do Brasil se tornando a Linha Auxiliar da EFCB.

No km 111,730 da Linha Auxiliar se localizava a estação de Governador Portela inaugurada em 1898, o local concentrou o maior polo ferroviário da época na região, com enormes galpões onde funcionavam as oficinas e os depósitos.


A estação era pequena mas possuía um estilo clássico e elegante, típico das primeiras estações construídas pela Estrada De Ferro D. Pedro II.  

Com a chegada da estrada de ferro na região, em Governador Portela surgiram as primeiras casas, construídas para abrigar os funcionários da ferrovia e suas famílias.

O complexo ferroviário de Governador Portela possuía um grande pátio de manobras, galpões onde de mecânica e reparos do material rodante, a oficina de pontes, depósitos de locomotivas e de cargas. Até um posto médico dava assistência aos operários que lidavam com atividades de risco.


Ao lado da estação foi erguida também a Paróquia de Nossa Senhora Da Glória, onde o primeiro casamento foi celebrado antes mesmo da conclusão da obra.


Um grande muro de pedras foi construído na rua Coronel Joaquim Ribeiro de Avelar. Se tornou questão de necessidade melhorar as condições de acesso a igreja e também a estação.


Tudo dependia da ferrovia, a comunicação via telégrafos mantinham os oficiais informados sobre as atividades, o serviço postal era feito através dos trens diários, e os comerciantes dependiam do transporte de cargas entre as cidades do interior e o Rio De Janeiro.


Os trens que subiam a serra seguiam direto para Três Rios, mas na estação de Portela era possível fazer baldeação pois a ferrovia tinha um entroncamento, uma linha por onde partia outra composição seguindo para Vassouras. 

O distrito de Governador Portela frequentemente sofria após grandes chuvas, a falta de galerias para o escoamento da água causava alagamentos na rua do centro (onde havia o pontilhão com a linha do Ramal De Jacutinga que seguia para Vassouras). 


Em Conrado os vagões de carga passavam por uma inspeção antes de seguirem viagem e subirem a serra, chegando na estação de Portela o trem descarregava os vagões necessários e o carregamento era armazenado em um dos galpões. 


Alguns anos mais tarde o Ramal de Porto Novo que terminava em Três Rios teve a bitola reduzida, e assim foi incorporado como parte da Linha Auxiliar da EFCB alcançando cerca de 240 quilômetros de extensão. Por essa longa ferrovia, circulavam composições com cerca de 50 vagões, e cada um tinha a capacidade de transportar 30 toneladas.


No prédio atrás da igreja funcionava o "SENAI de Portela", uma escola técnica destinada a formação de jovens mecânicos e maquinistas, os alunos já saiam com uma profissão e certamente com um emprego garantido na Linha Auxiliar. Por muitos anos essa profissão foi passada entre gerações. Hoje o local e utilizado como pré escola infantil.


Com outros trechos incorporados a malha ferroviária da EFCB, os trabalhos de manutenção foram distribuídos entre as oficinas regionais, esse fato diminuiu drasticamente os serviços realizados em Portela e por consequência os primeiros galpões a serem demolidos foram os da famosa "Oficina de Pontes de Governador Portela".


Sobre a Oficina de Pontes, metade da estrutura foi mantida e utilizada como edifício garagem para abrigar as locomotivas que operavam no ramal fazendo o serviço de transporte de passageiros

A partir de 1956 quando a E.F. Leopoldina assumiu o trecho, algumas construções foram perdendo a função original. A armazenagem de cimento, cal, açúcar, cerveja, legumes, verduras, frutas entre outras cargas, foi transferida para o anexo da estação de Miguel Pereira.


Os galpões que foram preservados passaram por reformados sendo divididos, como oficina mecânica, e um depósito adicional para locomotivas e para os carros de passageiros (vagões de madeira) do trem regional que fazia o trecho: Avelar - Portela.


A influência da ferrovia no cotidiano de quem trabalhava ou fazia parte das atividades ali vivenciadas, deu origem a AFALA - Associação de Funcionários da Linha Auxiliar. O local escolhido como sede foi um pequeno prédio entre os galpões e a estação.


Em 1975 a RFFSA - Rede Ferroviária Federal passou a administrar a ferrovia tendo como prioridade reduzir os gastos. E com a diminuição dos trens de passageiros, a linha foi mantida quase exclusivamente para o tráfego de trens cargueiros.


Ao lado do pátio de manobras onde havia 8 vias e um triângulo de reversão (manobras), o Posto Médico foi fechado e transformado em dormitório para os operários e vigias.


Após as tentativas para implantação de trens turísticos e as frustrações, o antigo Posto Médico transformado em dormitório foi demolido por apresentar péssimas condições.


Entre 1980 e 1990 o pátio sofreu grandes modificações, algumas vias foram desmanchadas, e a falta de recursos para reformar os galpões tornava evidente a decadência em que se encontrava a Linha Auxiliar.


Os últimos galpões preservados foram parcialmente demolidos, no espaço que restou livre construíram casas onde se armazenava o material pesado para atividades na via, ferramentas de grande porte, peças novas para possíveis substituições entre outros.


Lamentavelmente o descaso com a ferrovia chegou a um ponto crítico onde máquinas, ferramentas, vagões, locomotivas e autos-de-linha foram transferidos para as oficinas de Porto Novo Do Cunha, ponto final da Linha Auxiliar.


Em 1997 com a privatização, a RFFSA entregou o trecho da estação Central até Japeri para a EFCB, que unificou a Linha Auxiliar e a Linha Do Centro através da bitola larga. Hoje administrada pela Supervia, a Linha Auxiliar opera apenas trens metropolitanos. 
   
Todo o resto da Linha Auxiliar foi entregue a FCA - Ferrovia Centro Atlântica que so viu interesse no trecho a partir de Paraíba Do Sul, deixando os municípios de Vassouras, Paty Do Alferes e Miguel Pereira isolados do transporte ferroviário. 


Entre 1999 e 2002 uma negociação ilegal destruiu completamente tudo que havia restado dos galpões no pátio da estação de Governador Portela. Uma rede de supermercados ofereceu propina ao prefeito da época afim de "comprar" as instalações da Rede Ferroviária para abrir uma filial naquele distrito. 


O prefeito vendeu o que não pertencia nem mesmo ao município de Miguel Pereira, mas sim a inventariança da RFFSA, e a primeira atitude do comprador, o dono da rede de supermercados, foi demolir as construções. Ao ser obrigado a prestar contas, o prefeito "comprou" de volta o espaço, pagando o dobro do valor de venda.

Não havia mais nada a ser feito, já era tarde demais. A partir de 2001 tudo foi cercado para demarcar o local pertencente a Rede Ferroviária, e para evitar invasões.


O tempo, e o descaso do poder público fez o lugar ficar sombrio e abandonado.


Mas nem tudo estava perdido pois um empresa siderúrgica comprou legalmente a área onde funcionava a Oficina de Pontes, e que depois serviu como garagem para os trens de passageiros de Avelar - Portela. A empresa preservou as duas vias que ainda passavam pelo terreno, e manteve um vagão fechado protegido por mais de vinte anos.


Em 2008 as sete vias paralelas a estação foram soterradas. A única que ainda permitia que o auto de linha da AFPF chegasse a Portela, foi danificada por duas grandes pedras colocadas propositalmente sobre os trilhos.


No ano seguinte, em 2009 as vias que já estavam soterradas foram asfaltadas para transformar o que um dia foi um grande pátio ferroviário em um estacionamento.


Em 2015, a possibilidade da reativação de parte do trecho descartado pela FCA, 5 km de linha métrica foram modificados para a implantação de um trem de bitola larga para trafegar entre Miguel Pereira e Governador Portela. 


Infelizmente a ONG que propôs administrar o trem e preservar a ferrovia, se omitiu e o que parecia ser um sonho se tornando realidade não passou de uma mentira. 


Toda a expectativa criada para apoiar o projeto foi frustrada pela constante ausência do líder do projeto e presidente da organização que alega não ter recebido contribuições por parte da prefeitura; Entretanto a compra dos dormentes, a montagem da linha, a reforma das estações e o pagamento ao serviço prestado pela empreiteira saíram do cofre público.


Embora não existam mais os galpões, as oficinas e nem mesmo uma duplicação na linha para manobras, a secretaria de obras limpou por completo todo o pátio assim que a linha foi concluída e a litorina pode chegar na estação de Portela.



Uma via em bitola métrica foi construída novamente para montar uma composição a partir dos 5 vagões prancha e um vagão fechado, todos abandonados no pátio.


Com a limpeza da área onde os últimos galpões existiram, foram redescobertas três vias em bitola métrica onde eram guardadas as locomotivas armazenadas.


A imagem via satélite mais antiga que mostra o pátio de Governador Portela e de 2006, a imagem mais recente  mostra o pátio limpo, a linha com os vagões abandonados e a linha reformada, e possível até ver a litorina parada ao lado da antiga caixa d'água na estação. O tamanho aproximado da área e de 35.000m².

Segue abaixo as mudanças ocorridas ao longo desses anos de abandono de um lugar que fez a região se desenvolver e prosperar:






A partir do momento que a nova linha foi entregue e testada várias vezes, cabe a empresa responsável pelo trem gerenciar o trabalho de limpeza e manutenção da via.

Embora o tempo tenha passado e hoje seja possível saber os erros cometidos no passado ao abandonar a ferrovia, muitos que se dizem preservacionistas insistem em cometer os mesmos erros, se omitindo de suas responsabilidades e entregando nosso patrimônio ferroviário aos vândalos e a vegetação que cada vez mais toma conta dos trilhos, dos eixos, das portas do trem e de tudo.


O que será das estações restauradas, da ferrovia reconstruída, da litorina e de todo o investimento feito acreditando nesse projeto. E o que será da expectativa das pessoas em ver novamente o trem atravessar a cidade buzinando e fazendo valer cada gota de suor daqueles que deram suas vidas na construção dessa ferrovia num tempo de tão poucos recursos mas de tanta dedicação. 


Não adianta apontar os erros cometidos no passado e continuar repetindo.