segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Ferrovia Na Serra De Teresópolis

Em meados do século XVI, a região onde hoje existe a cidade de Teresópolis era habitada por índios Timbiras, após a colonização portuguesa foi concedida no ano de 1583 uma sesmaria que incluía a atual Serra dos Órgãos aos índios Temiminós da tribo Arariboia.



Mas esse cenário de Mata Atlântica se tornou também refúgio para os escravos fugitivos das fazendas ao pé da serra onde havia grande número de plantações de cana; Assim surgiu no meio da mata o Quilombo da Serra.



Em meados do século XIX as belezas naturais e o bom clima da serra atraíram a atenção da família imperial que frequentemente visitava a região. A partir de 1821 surgiram as primeiras fazendas voltadas para agricultura, pecuária e veraneio formaram um povoado nobre, sendo o mais importante a fazer a ligação entre a côrte e Província das Gerais.


A ligação entre Teresópolis e capital era primitiva e dependia de um sistema de transporte defasado através de liteiras carregadas por burros, tornando de vital importância a construção de uma estrada de ferro entre o Rio De Janeiro e o alto da serra. 


Em 5 de julho de 1890 foi fundada a Companhia Estrada De Ferro Teresópolis o Barão de Mesquita e o Comendador Moitinho os responsáveis pela administração do projeto. 

O primeiro investimento por parte da Companhia foi adquirir os terrenos que formavam as vertentes do Rio Paquequer, com o intuito de ter como Niterói como ponto inicial, seguindo até Porto Marinho em direção a Raiz Da Serra. O engenheiro Guilherme Greenhalgh pretendia vencer a subida da serra com um trecho de 60 km em livre aderência, mas o custo seria muito superior aos estipulados inicialmente, além de tornar a viagem demorada.

Devido aos atrasos por parte da companhia em chegar a um consenso sobre o traçado da ferrovia e apresentar um projeto viável, as obras permaneceram paralisadas. Até que em meados de 1894 o empreiteiro José Augusto Vieira foi consultado devido sua experiência na Leopoldina Railway Company. 



A primeira alteração significativa foi o ponto de partida da ferrovia que passou a ser no cais do Porto De Piedade nos fundos da Baía De Guanabara. A ideia era promover uma integração entre os barcos a vapor vindos de Niterói e o transporte ferroviário que do porto seguia rumo a Magé, semelhante ao projeto da Estrada De Ferro Mauá. 


Os trechos conhecidos como "Taboão" e "Catinguento", localizados em áreas pantanosas foram os mais difíceis durante a construção desse primeiro trecho principalmente por conta das fortes chuvas que causavam alagamentos nas regiões da baixada.



Esse cartão postal mostra que as árvores derrubadas para a passagem da ferrovia tinham a madeira preparada para servir como dormentes onde seriam assentados os trilhos.


O primeiro trecho da ferrovia era curto, tinha apenas 5 km e ligava o Porto De Piedade ao município de Magé onde foi construída uma pequena estação. Devido as fortes chuvas que atrasaram as obras na região a inauguração da estação de Magé só aconteceu em 1896.



Conforme a linha avançava em direção a Raiz Da Serra, eram inauguradas pequenas paradas e estações, até que em 1º de novembro de 1896 apesar das adversidades e contratempos foram inaugurados os 21,748 km distribuídos da seguinte forma:

Porto De Piedade (Km 0,000); 
Magé (Km 5,020); 
Augusto Vieira (Km 10,999); 
Citrolândia (Km 13,400); 
Bananal (Km 19,078); 
Fazenda Modelo (Km 19,620); 
Raiz Da Serra (Km 21,748).

Em Guapy, Guapimirim, ou Raiz Da Serra (todos os nomes se referem a uma única estação) foram construídos também um triângulo de reversão, galpões e oficinas para vagões e locomotivas. Até 1901 o tráfego ferroviário permaneceu entre Piedade e Raiz Da Serra, todas as tentativas de levar os trilhos serra acima falharam.



Um novo desafio era por em prática o projeto de construção da ferrovia no terreno irregular característico da Serra dos Órgãos, cujo a tecnologia disponível na época para realizar tamanha proeza dependia de um investimento financeiro que a companhia não podia cobrir.

A única forma viável para transpor a Serra Dos Órgãos seria através do sistema de cremalheira Riggenbach, o mesmo utilizado na Estrada De Ferro Príncipe Do Grão Pará administrada pela Leopoldina Railway. 



Com a intenção de subsidiar os gastos com as novas necessidades da ferrovia e dar início aos trabalhos a partir da Raiz Da Serra, foi fundada por José Augusto Vieira a Empresa Estrada De Ferro Teresópolis tendo como diretor e presidente José Augusto Vieira. 



A partir de 1905 começaram os trabalhos na serra onde seriam construídos os primeiros 2 km de linha com sistema de cremalheira, o caminho foi aberto e os dormentes posicionados.



Os trabalhos se concentraram em Miudinho uma região instável onde foi necessário fazer um aterro com 27 metros de altura, 97 metros de comprimento, e uma curva com raio de 150 metros. 



Empreiteiros da época sugeriram ao invés do aterro, construir um viaduto para transpor a grota, entretanto um viaduto feito especificamente para esse local deveria ser feito sob encomenda na Europa, o pagamento precisava ser adiantando e as fundações de cimento ultrapassariam o valor disponível para prosseguir com o resto das obras.



Duas locomotivas cremalheiras foram destacadas para empurrar vagões prancha e vagões gôndolas carregados de materiais pesados, principalmente trilhos, dormentes e lastro. 



Na região de Barreira foi construída em 1904 uma estação, entretanto nessa época a ferrovia não havia chegado ao local, mas lá existia uma fazenda que servia de hospedaria desde o desbravamento da Serra Dos Órgãos. Entre a sede da fazenda e a estação há uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição do Soberbo.



Uma crise em 1907 fez com que as obras paralisassem, levando o governo a exigir por meio de um decreto que as obras fossem finalizadas com urgência.



Em 1908 finalmente a linha chegou a Soberbo, pouco antes de chegar a estação de Soberbo, a linha atravessava uma grande ponte de aço alcançando 956 metros de altitude e já se aproximava do município de Teresópolis.



Na estação de Soberbo havia um pátio de manobras pois terminava a linha com cremalheira e as locomotivas eram substituídas para prosseguir com a viagem.



Nesse ponto foi instalada uma grande caixa d'água para atender as locomotiva, abastecendo as que subiam e reabastecendo as que iriam descer.



Um ponto de vital importância para chegar ao Alto Teresópolis era o Viaduto Do Garrafão e uma grande estrutura de aço fabricada na Bélgica sob medida para esse região conhecida pela "Cachoeira Do Garrafão".



Apoiado sobre três pilares de aço com 14 metros de altura, o viaduto media 60 metros de comprimento, com um raio de 114 metros, e uma inclinação de 8,5%.

Em 1908 houve uma alteração no traçado da linha férrea em construção para que a mesma acompanhasse a estrada de rodagem que ligava Magé a Sapucaia e passava por Teresópolis. 



Chegando na região do Alto Teresópolis, a linha atravessa novamente o rio Paquequer através da Ponte das Araras, em uma curva com 150 metros de raio, medindo 60 metros de comprimento divididos em três vãos apoiados por grandes pilares de pedras.



Após a Ponte Das Araras, a linha transpõe o rio Paquequer mais duas vezes, primeiro por uma ponte de 10 metros de comprimento, em seguida por uma ponte com 30 metros.



Para a surpresa de todos, em 7 de setembro de 1908 chegava em Teresópolis um trem de carga acompanhado da primeira composição de passageiros.



Finalmente foi inaugurada em 19 de setembro de 1908 a Estrada De Ferro Teresópolis.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Redescobrindo os Vagões De Governador Portela

Em 2001 eu tive meu primeiro contato com o vagão fechado lá de Portela, na ausência de uma máquina fotográfica, gravei cada detalhe daquele dia na minha memória, o pátio de Governador Portela ainda estava bem preservado como mostra esse cartão postal mais ou menos da mesma época. 



Da estação era possível ver o vagão fechado próximo dos vagões prancha e ao mesmo tempo abandonado. Infelizmente a situação já não era boa, as chapas estavam enferrujadas e não havia mais assoalho.


Quando ganhei minha primeira câmera digital em 2008 voltei ao pátio da estação de Portela para dessa vez registrar oficialmente o que ainda restava. O vagão estava lá, protegido dentro da Aços Pavuna, a foto ficou um pouco distante por ter sido o mais próximo que consegui chegar.




Em 2015 com a proposta de revitalização da ferrovia entre Miguel Pereira e Portela, decidi registrar o avanço das obras para me manter atualizado dos progressos. 
Chegando em Portela me deparei com cinco vagões prancha carregados com algumas estruturas de pontes, invadidos pela vegetação e até mesmo com os truques soterrados.




Sem dúvidas o vagão fechado estava em condições muito piores.



Finalmente tive a oportunidade de me aproximar do vagão que me encantou quando criança, e inevitavelmente subi na escada lateral pra olhar ele por dentro.




Com a autorização do sr Marcelo Andrade pude entrar mais vezes na empresa, entrar no vagão e fazer fotos melhores para comparar os detalhes do outro lado.




Com o processo aberto por mim na prefeitura de Miguel Pereira solicitando a cessão deste vagão tão desprezado por todos, consegui fazer com que os vagões prancha também recebessem atenção da secretaria de obras, que ordenou a limpeza do pátio.





Uma vez com a área desocupada de entulhos, foi ordenado que uma linha em bitola métrica fosse construída paralela a nova linha (de bitola larga) para aproximar os cinco vagões prancha e transferir o vagão fechado para o pátio, uma vez que o antigo prefeito estava disposto a ceder o vagão fechado para o desenvolvimento do meu projeto.

A limpeza do vagão:


Com a autorização do Sr. Marcelo Andrade da Aços Pavuna e por ordem do ex-prefeito Sr Cláudio Valente, me foi disponibilizado um caminhão muck para esvaziar o vagão fechado afim de prepará-lo para sua retirada de dentro das dependências da empresa. 




Tive o prazer de contar com a ajuda do prezado amigo Thiago Costa para descarregar as máquinas e outros objetos que foram armazenados no vagão ao longo dos anos.



Para abrir espaço dentro do vagão foi preciso retirar os obstáculos que impediam as máquinas de chegarem até as portas, desta forma os primeiros itens removidos foram pedaços de madeira, telhas de aço, correntes, ganchos e mangueiras.


























Com o auxílio de dois operários da secretaria de obras, passamos a tarde inteira descarregando as máquinas e colocando-as enfileiradas debaixo do galpão.




Além das chapas de ferro, correntes e pedaços de madeira, foram retirados seis compressores um motor para cabos de aço (extremamente pesado).




Uma semana depois foi cortada a árvore que cresceu agarrada dentro da estrutura do vagão para que o guindaste o erguesse sem causar danos.




Na linha em bitola métrica os vagões prancha ficariam na frente, pois a operação com o vagão fechado era mais complexa, entretanto o excesso de peso da ponte sobre o primeiro vagão prancha causou um descarrilamento que inviabilizou qualquer movimentação.




Pelo fato da transferência do vagão fechado ser prioridade, ele foi o primeiro a ser colocado nos trilhos da linha de bitola métrica, em seguida os vagões prancha foram rebocados e automaticamente acoplados ao vagão fechado.



Por um breve período de tempo o pátio da estação trouxe esperança de resgatar o que foi perdido, e em meio as ruínas foi possível imaginar como toda aquela área era na época de ouro da ferrovia na Serra Do Rio De Janeiro. 




Após 20 anos "encostado" o velho vagão fechado estava no local combinado para facilitar o acesso e posteriormente permitir a retirada para o local de restauração.





Devido ao longo tempo de espera pela autorização oficial para o desenvolvimento do meu projeto, os vagões de Portela foram novamente tomados pela vegetação.



E preciso destacar que a responsabilidade de manter o pátio de Portela limpo bem como garantir que o patrimônio ferroviário lá depositado não seja invadido por vândalos e da prefeitura de Miguel Pereira.



A falta de fiscalização por parte da prefeitura e da guarda municipal pôs em risco a integridade do patrimônio ferroviário, em minha visita mais recente ao local em que se encontra o vagão, tive a infelicidade de encontrá-lo com várias pichações.



Com a documentação do Vagão fechado e a cessão por tempo indeterminado para o desenvolvimento do meu projeto, estou aguardando para realizar a retirada do vagão para que o mesmo possa ser devidamente reformado em uma oficina.