segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Uma Viagem pela Estrada De Ferro Teresópolis

A região da Serra Dos Órgão era um dos principais destinos de veraneio da família Imperial, e visando maior conforto para os nobres frequentadores foi decretada em 1890 a construção do município de Teresópolis que até então era apenas um povoado formado a partir da Fazenda Santo Antônio ou "Sant'Ana Do Paquequer".


O crescimento posterior veio em decorrência da passagem de viajantes oriundos das Minas Gerais, que visavam esta região como ponto estratégico de repouso para seguirem em direção ao Porto Da Estrela nos fundos da Baía De Guanabara, entretanto as opções para percorrer esse trajeto eram limitadas e exaustivas, pois qualquer forma de transporte dependia do uso de cavalos para carregar liteiras, puxar carroças, e em raros casos pequenas carruagens. 



Uma viagem pela Serra Dos Órgãos até a capital demorava até três dias pois independente de estar montado a cavalo ou a bordo de uma carruagem, os tropeiros faziam paradas ao longo do caminho para descansar e também para cuidar dos animais antes de prosseguirem.

A Companhia Estrada De Ferro Teresópolis pôs em prática um sistema de integração semelhante ao utilizado na Estrada De Ferro Mauá onde o serviço marítimo e o transporte ferroviário se complementavam. 



As barcas a vapor pertenciam a Cia EF. Teresópolis e partiam do Cais Pharoux no Rio De Janeiro rumo ao Porto De Piedade nos fundos da Baía De Guanabara.



O ponto de partida era o Porto De Piedade no km 0,000 da ferrovia, lá era realizada baldeação entre as barcas conhecidas como "Vapor De Teresópolis" e o trem que inicialmente ia apenas a estação de Magé localizada no km 5,020 a inauguração desse pequeno trecho aconteceu em dezembro de 1895 de forma experimental.



Em 1º de novembro de 1896 foi inaugurado e aberto ao tráfego os 21 quilômetros de extensão da Estrada De Ferro Teresópolis na região da baixada.

O Porto De Piedade no Km 0,000 foi modernizado para melhor atender os passageiros e garantir maior agilidade e segurança nas viagens. A dragagem de 1000 metros do canal permitiu maior mobilidade na atracação das barcas.



A estação de Magé no Km 5,020 não contava com grande estrutura externa por isso muitas vezes passava despercebida nas viagens, entretanto sua construção foi muito importante para o desenvolvimento da ferrovia a partir daquele ponto.



Em áreas pantanosas o desafio era maior, a região sofria constantemente com enchentes e muitas vezes uma chuva era suficiente para destruir o resultado de semanas de trabalho, buscando então uma forma de manter a ferrovia a uma distância segura do solo instável, foram feitos aterros e construídas pontes e viadutos sustentados por paredões de pedras.


Ao longo do caminho surgiam estações e paradas muitas delas provisórias, tanto que desapareciam ou eram substituídas com a mesma facilidade pois era uma região pobre e de pouco movimento embora isso não importasse já que o objetivo da Estrada De Ferro era ligar a capital ao alto da serra em Teresópolis.

A estação de Augusto Vieira (Jororó) no km 10,999 era a segunda mais importante do ramal na região da baixada, inaugurada também em 1896.



Nas viagens de trem ao longo dos 16,78 quilômetros entre a estação de Magé e a estação Raiz Da Serra (Guapimirim) os passageiros podiam acompanhar o crescimento da pequena vila, substituindo a mata fechada pelo desenvolvimento urbano, favorecido pela ferrovia.


No livro "Do Amazonas à Guanabara" o escritor Octavio Tavares, como passageiro do trem descreve a Serra De Teresópolis da seguinte forma: 

"...Quando o trem para no alto da serra, a impressão que se tem e a de um imenso jardim,bizarramente delineado. As flores abrem-se por todos os recantos, e essa maravilhosa Serra dos Órgãos seria, se nós pudéssemos vê-la de longe, a perfeita realização dos jardins suspensos da Babilônia..."


"...A via férrea sobe pelos flancos verdes da montanha e a locomotiva chega,refolegando, como se sentisse as agruras da escalada. Em Teresópolis, porém, a natureza culmina. A serra mais florida ainda. É ela própria que se atavia, que se matiza, que se perfuma, como se tivesse orgulho de sua beleza e de todo seu esplendor bucólico..."


"...Erra pelo ambiente a vívida impressão de um sonho. O olhar do forasteiro vaga por sobre a paisagem e vê tudo cor de rosa. São as paineiras que se enchem de flores, numa orgia maravilhosa e única. Os contornos da serra, em cujas penedias se destaca, apontando o céu, o Dedo de Deus, são sempre verdes. E, pelo solo fértil, desliza, em toda a sua rusticidade, o Paquequer, de águas claras e tranquilas, que vai se atirar, num salto violento na queda soberba do Imbuí..."


De Volta Aos Trilhos; Passado um longo tempo de espera, a Companhia Estrada De Ferro Teresópolis avançava na construção da linha férrea na região da serra utilizando o sistema de cremalheira Riggenbach, uma tecnologia desenvolvida em 1862 utilizada até hoje.


As primeiras locomotivas cremalheiras a vapor utilizadas na construção da E.F. Teresópolis eram modelos simples equipadas com compartimentos laterais usados como reservatório de água, eliminando a necessidade de um vagão tender. 


Depois foram adquiridas locomotivas mais potentes, construídas especialmente para trafegar na região da Serra Dos Órgãos empurrando até dois vagões de passageiros.
O trecho equipado com terceiro trilho para utilização de locomotivas cremalheiras, tinha 9,162 quilômetros, tendo como estações: 



Raiz Da Serra (km 21,748) - Essa região antes dominada apenas por fazendeiros, só se desenvolveu com a chegada do trem, o pátio de manobras e as oficinas para locomotivas e vagões geraram muitos empregos, e assim os operários se instalaram nas proximidades formando uma comunidade ligada diretamente a ferrovia.


Barreira (km 24,44) - Era pra ser uma parada provisória mas "Barreira" se tornou um importante ponto da ferrovia; Construída em 1894 antes mesmo dos trilhos chegarem, a parada ou estação tinha apenas uma cobertura simples e um banco, mas era de grande importância para os poucos moradores locais que dependiam de melhores condições de transporte e contato com a capital.


Embora os trilhos tenham demorado para alcançar esse ponto da serra, o caminho na mata começou a ser aberto no início do projeto, afinal era preciso saber por onde a ferrovia passaria pois a região era propícia a deslizamentos e enxurradas. 


O cenário se completa com a capela de Nossa Senhora Da Conceição Do Soberbo erguida muitos anos antes num ponto entre dois braços do rio Soberbo, um trecho onde a ferrovia transpõe duas vezes o rio por pontes.


Miudinho (km 27,160) - Para chegar a esse ponto era preciso vencer 15% de rampa e depois atravessar um gigantesco aterro com mais de 150 metros de comprimento. 


Em "Miudinho" não havia uma estação, o único propósito dessa parada era reabastecer as locomotivas, e para garantir o tráfego de composições subindo e descendo a serra foram instalados nesse local uma grande caixa d'água, e logo abaixo foi construída uma cisterna.


Soberbo (km 30,910) - Fazer com que a ferrovia finalmente alcançasse a região de Soberbo foi uma grande satisfação, a partir deste ponto não era mais necessário o uso da cremalheira e portanto os carros de passageiros (vagões) passavam a ser tracionados por locomotivas a vapor convencionais.


Para viajar de trem rumo a Teresópolis era necessário passar por três etapas: a primeira era embarcar na composição que saía do Porto De Piedade formada por uma locomotiva convencional e dois carros de passageiros. 

A segunda acontecia ao chegar na estação Raiz Da Serra onde era feita baldeação para dois carros de passageiros que eram "empurrados" serra a cima por uma locomotiva com cremalheira.

Na terceira etapa, após chegar em Soberbo, os vagões deixavam de ser empurrados pela locomotiva a cremalheira e passavam a ser tracionados por uma locomotiva convencional pelo resto do percurso. 


Em Soberbo além da estação havia também um galpão aos fundos que servia como depósito para locomotivas e um pequeno pátio de manobras para os trens.


Desde o início dos trabalhos no Porto De Piedade para a construção da estrada de ferro, passaram-se 13 anos para que finalmente um trem alcançasse o alto da serra e finalmente chegasse a Teresópolis após cruzar pontes, viadutos e até mesmo um túnel.


O Túnel Dos Órgãos foi escavado e construído por volta de 1908 possuindo 250 metros de comprimento, sua construção foi inevitável já que não havia como contornar a imensa formação rochosa ali existente. 


Saindo do túnel chegava-se então em uma área que começava a ser urbanizada, o local passou a ser conhecido como Beira Linha, e logo o "Túnel Dos Órgãos" passou a ser chamado de "Túnel Da Beira Linha".


Finalmente o trem chegou a Teresópolis em 1908 e com o sucesso da ferrovia o tráfego era intenso, embora fosse uma viagem exaustiva por conta das baldeações ao longo do caminho. Mesmo assim, enquanto uma locomotiva a cremalheira chegava trazendo dois carros de passageiro, outra descia também com dois carros. 




No ano de 1919 a linha foi prolongada por mais 4,034 quilômetros, foram construídas mais duas estações:


Fazendinha (km 35,367) - Construída em 1921 a estação popularmente chamada de "Fazendinha" era simples, tinha apenas uma caixa d'água para o abastecimento das locomotivas e seu prédio era mais utilizado para cargas.


José Augusto Vieira (km 37,690) - Construída na região da Várzea, essa estação só foi inaugurada em 1929, seu nome era uma homenagem ao homem que tornou possível a construção da Estrada De Ferro Teresópolis. Este passou a ser definitivamente o ponto final da ferrovia que foi desativada em 1957.

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