segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A Leopoldina na Serra Dos Órgãos (Parte 2)

Os trens da Leopoldina que trafegavam quando partiam da estação de Porto Das Caixas eram formados por uma locomotiva convencional e quatro vagões, sendo três carros de passageiros e um bagageiro que também era utilizado no serviço postal.



Ao falar sobre as ferrovias construídas na região da Serra Dos Órgãos e impossível não citar as fantásticas locomotivas que utilizavam com sistemas de cremalheira, mecanismos de tecnologia avançada para a época que permitiam transpor grandes inclinações.

Quando o trem chegava em Cachoeiras De Macacu os passageiros aguardavam na estação enquanto a composição era dividida, pois a partir deste ponto os vagões seguiam em duplas tracionados por locomotivas equipadas com o sistema de cremalheira Fell.


Geralmente o atrito entre as rodas motrizes e os trilhos basta para mover os trens em regiões planas ou com leves inclinações, mas em regiões montanhosas as locomotivas tradicionais "patinam" nos trilhos desgastando as rodas de aço e permanecendo inertes.

Um trecho de quase 20 quilômetros entre as estações de Cachoeiras De Macacu e Teodoro De Oliveira foi construído com um terceiro trilho chamado de cremalheira. Existem diferentes tipos de cremalheiras, e para essa ferrovia em particular foi utilizado algo inovador que até hoje é pouco conhecido: o sistema de cremalheira Fell.


Desenvolvido pelo engenheiro britânico John Barraclough Fell, o sistema de cremalheira Fell consiste em uma combinação da simples aderência sobre dois trilhos paralelos e rodas horizontais pressionando um trilho central mais elevado e liso dos dois lados.

Debaixo da locomotiva há conexões com o sistema motriz convencional através de pistões e engrenagens que movem quatro rodas horizontais para que deslizem precionando o trilho central e garantindo força motriz extra para a locomotiva.


A primeira ferrovia a utilizar esse sistema foi a Mont Cenis Pass em 1865 e tinha como objetivo transpor o Monte Cenis nos alpes da fronteira entre França e Itália. Quando desativada em 1871 todo o equipamento de via permanente e material rodante foi vendido para ser reutilizado na região serrana do estado do Rio De Janeiro.


A empresa francesa Couin fabricou locomotivas com configuração 0-6-0T, possuindo três eixos motrizes tradicionais além das quatro rodas motrizes horizontais debaixo da máquina. O tender tinha capacidade para 5.000 litros embutido nas laterais da locomotiva para aumentar a aderência.


Após os primeiros anos de serviço essas maquinas se mostraram muito complexas e de difícil manutenção, além disso seu serviço na E.F. Cantagalo era quase restrito ao trecho de serra, correspondente a segunda sessão da linha onde se utilizava a cremalheira.

Aos poucos as velhas locomotivas foram retiradas de serviço e "encostadas" nas oficinas de Cachoeiras De Macacu e Theodoro De Oliveira.


O sucateamento das locomotivas Fell fabricadas pela Baldwin levou a Leopoldina a implantar um novo método de tração para suprir as necessidades da ferrovia, as novas locomotivas eram capazes de utilizar o terceiro trilho apenas para frenagem e não para tração mecânica como o sistema anterior.


As novas locomotivas fabricadas pela North British operavam de forma híbrida com o sistema de aderência total e o sistema Fell modificado para que as rodas horizontais deixassem de fornecer tração extra para funcionar apenas como sistema de frenagem.


As maquinas fabricadas pela inglesa Northern British eram reconhecidas pela estabilidade enquanto "empurrava" seus vagões nas subidas, e os amparava nas decidas, como costuma ser em outras ferrovias com cremalheira.


O trecho com cremalheira correspondia a segunda seção da ferrovia, entre as estações de Cachoeiras De Macacu e Teodoro De Oliveira, onde as fortes inclinações exigiam locomotivas potentes que tinham sua operação restrita ao trecho de serra.

No pátio da estação de Teodoro De Oliveira os vagões eram unidos novamente formando uma única composição tracionada por locomotiva de simples aderência.

O trem seguia viagem e fazia sua próxima parada na estação de Muri, localizada numa vila fundada por colonos suíços muito popular entre veranistas.


Finalmente o trem alcançava o centro de Nova Friburgo onde desde 1873 a estação recebia trens mistos (cargas e passageiros), sendo muito inconveniente para os passageiros que circulavam entre todo tipo de carregamento.

Alguns anos mais tarde a linha foi prolongada pouco mais de dois quilômetros, tendo como parada final uma pequena estação conhecida como Friburgo Cargas, seu objetivo era armazenar todo tipo de carregamento a ser embarcado ou desembarcado sem interferir o acesso dos passageiros na estação de Nova Friburgo. 

Dando continuidade ao Ramal Do Cantagalo, em 1876 foi inaugurada uma nova seção da ferrovia, começando pela estação de Conselheiro Paulino onde mais tarde seria aberto um entroncamento com o Ramal Do Sumidouro, ambos de propriedade da Leopoldina.

A composição que partia da estação de Teodoro De Oliveira tracionada por uma locomotiva padrão da Leopoldina era a mesma que passava por Nova Friburgo, Conselheiro Paulino, e seguia em direção ao interior.

Sem a necessidade da mesma força de tração utilizada na serra, as ferrovias atrás das montanhas contavam com locomotivas muito eficientes, tanto na tração de carros de passageiros quanto com vagões de carga.


Nessa terceira seção da ferrovia os vagões eram posicionados atrás da locomotiva como de costume, as raras ocasiões onde um carro de passageiros seguia a frente da máquina se tratava de um vagão administrativo levando a bordo um grupo seleto de convidados.

Cada ferrovia possui um tipo de material rodante adequado para atender suas exigências, a Leopoldina adotou como "padrão" as locomotivas do tipo Mogul (2-6-0), Consolidation (2-8-0), e Pacific (4-6-2). No Ramal Do Cantagalo as que mais se destacavam pelo bom desempenho em áreas planas e com poucos declives eram as consolidations.


Até meados de 1870 a única forma de transporte na zona rural de Nova Friburgo era através da tração animal, utilizando carroças e carros de boi, mas entre 1875 e 1876 foi aberto o caminho por onde passaria a ferrovia, levando o progresso para essas regiões menos favorecidas.


Poucos metros antes da estação de Riograndina, o trem atravessava um pontilhão de aço coberto por três arcos parecendo um portal por onde chegava o progresso.


Em Riograndina ao lado da estação ficava a casa do oficial responsável por aquele trecho, havia também um galpão para armazenamento das cargas que chegavam e que partiam.


Da estação de Riograndina a linha seguia em direção ao município de Bom Jardim embora muitos dos moradores fossem contra a passagem da linha temendo incendiar as plantações às margens da ferrovia devido as faíscas.

Antes de chegar ao centro do então povoado a primeira parada era a estação de Banquete inaugurada somente em 1935, dessa forma os trens seguiam direto para a estação onde se desenvolveu o centro comercial de Bom Jardim.


Ao passar no cruzamento da ferrovia com a rodovia RJ-2 havia uma pequena parada chamada de Parada Fluminense onde poucas vezes alguém esperava para embarcar ou desembarcar enquanto o trem reduzia a velocidade.

O mesmo se aplicava a parada conhecida como Holofote que também estava localizada próxima a uma passagem de nível e era pouco movimentada, não deixando sequer vestígios sobre sua localização exata.


Chegando ao município de Duas Barras ficava a estação de Monnerat que tinha como principal objetivo realizar o serviço postal da região.


O Ramal Do Cantagalo chegou a Cordeiro no final de 1875, dez anos mais tarde partindo desta estação foi aberto um entroncamento com o Ramal De Macuco tendo cerca de vinte quilômetros de extensão, sendo o município de Macuco seu destino final e única parada com uma estação de mesmo nome.


Voltando a linha principal, o Ramal De Cantagalo, os trens oriundos de Nova Friburgo passavam pela estação de Cordeiro, onde mais tarde seria um ponto de baldeação entre os ramais de Cantagalo e Macuco.

A estação de Cordeiro inaugurada em 30 de outubro de 1875, atuava principalmente como centro de recebimento e distribuição postal, incluindo serviços telegráficos que na época era o recurso mais eficiente para enviar e receber mensagens urgentes.

A ferrovia proporcionou aos moradores dessas áreas mais isoladas a possibilidade de interagir comercialmente e socialmente com pessoas de diferentes classes sociais, o trem era a principal forma de transporte em massa na época e isso foi algo muito importante.


Os trilhos da Leopoldina chegaram a estação de Cantagalo em 1º de janeiro de 1876, com esta permanecendo como final de sua linha. Em 1890 a Leopoldina assumiu a administração do trecho a partir da estação de Cantagalo expandido esse ramal por mais vinte quilômetros.


A linha a partir da estação de Cantagalo era considerada um ramal a parte, sendo necessário fazer baldeação para prosseguir viagem pelo trecho que ficou conhecido como Ramal De Portela, uma ferrovia independente cujo a única relação com o Ramal Do Cantagalo era ser um entroncamento até 1890 quando a Leopoldina incorporou o trecho a sua linha principal.

Na próxima postagem sobre a Leopoldina na Serra Dos Órgãos vamos embarcar numa viagem pelos entroncamentos com o Ramal Do Cantagalo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário